Pedro Silveira: Santos Silva e Medina criaram “ruído” e “percepção” de interferência

O politólogo e jurista Pedro Silveira diz que o pedido de celeridade à justiça por parte de Santos Silva e Medina é “uma situação bastante anómala” que alimenta “um ambiente de desconfiança”.

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Pedro Silveira é professor e investigador na Universidade da Beira Interior Nuno Ferreira Santos
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O Presidente da Assembleia da República (AR) e o ministro das Finanças pediram esta semana à justiça que seja célere na investigação ao primeiro-ministro. Em entrevista ao PÚBLICO, o politólogo e jurista Pedro Silveira recusa que exista um condicionamento da justiça, mas alerta que estas declarações "criam ruído" e uma "percepção" de interferência. Particularmente da parte de Santos Silva, a quem se exigia mais "contenção" enquanto presidente da AR (PAR). Mas apesar de Santos Silva não ter tido um "comportamento típico", o politólogo não vê danos para a sua legitimidade de PAR.

O Presidente da AR agiu bem?
Não, por duas razões: a primeira tem que ver com a posição como presidente da AR, que implica algum recato — não diria imparcialidade, é óbvio que é do PS —, mas contenção, cautela em relação a declarações que, não interferindo directamente no processo, dão azo a que haja ruído à volta do processo e acusações de interferência. Em segundo lugar, pelo contexto. As críticas [à justiça] são difíceis de perceber com um processo a decorrer. Por muito que algumas sejam relevantes, não devem ser utilizadas num momento em que o importante é dar confiança à justiça e depois avaliar como funcionou e agir em conformidade.

E o ministro das Finanças?
Quando colocam um prazo ao Ministério Público, acaba por ser uma situação bastante anómala porque temos um presidente da AR e um ministro das Finanças em plenitude de funções que pedem a outro órgão de soberania que aja de determinada forma. Mesmo que não seja uma interferência factual, por muito que os magistrados e os operadores judiciários estejam imunes a críticas e não sejam afectados, criam ruído e uma percepção pública de que existem agentes políticos a tentar interferir com a justiça.

Não constitui um condicionamento e uma quebra da separação de poderes?
Não podemos dizer que aquelas declarações constituem materialmente um condicionamento. Agora, não ajuda. Fomenta um ambiente de desconfiança que a oposição vai aproveitar para acusar esses actores políticos de interferência.

Santos Silva mostrou falta de independência face ao PS?
[Santos Silva] tenta fazer uma intervenção como alguém preocupado com o funcionamento da justiça, mas não me parece que seja o contexto certo. Apesar de tudo, não me parece que isso tenha que ver com o facto de ser do PS. Mas permite que haja especulações. E é muito difícil que ele não antecipasse isso. Como PAR, devia ter atenção por esse tipo de discurso poder aparecer aos olhos da opinião pública e da oposição como uma defesa do PS.

Perdeu legitimidade?
Não há nenhuma legitimidade formal nem política afectada por este caso. Foi uma actuação que não devia ter acontecido, ainda por cima numa entrevista que foi metade dada como militante do PS e metade como presidente da AR. Ele antecipa que essa seria a reacção dos partidos, decide fazê-lo e acaba por ser imprudente. Não é um comportamento típico de um presidente da AR, mas não coloca em causa a sua legitimidade nem exige um pedido de desculpa ou demissão.

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