Heaven Knows, de PinkPantheress: a esperança de vida pós-TikTok continua a subir

Quem disse que PinkPantheress não conseguia fazer um longa-duração? E só se perdeu alguma espontaneidade e humor seco. Eis Heaven Knows.

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Heaven Knows é o álbum de estreia de PinkPantheress Aidan Zamiri

A primeira Pantera Cor-de-Rosa data de 1963: diamante de valor inestimável, no cerne de uma comédia de Hollywood, e um felino espertalhão. A configuração mais recente também é ágil e altamente procurada: uma cantautora que tem por habitat o TikTok, rede social dos microvídeos cafeinados. Uma voz delicada a murmurar pingos de canção, racionando emoções a conta-gotas.

A inglesa PinkPantheress é a mascote de uma pop hipermoderna e enfadada. Quando se é privada do luxo do tempo (raramente os seus singles ultrapassam um ou dois minutos), alguma coisa tem de ceder. Por isso, se as batidas-relâmpago estimulam a nostalgia pelo drum'n'bass, as composições são modestas, interpretadas com um encolher de ombros: o equivalente melódico da fleuma britânica. E não será coincidência qualquer semelhança com Lily Allen, a quem PinkPantheress pede emprestada a combinação de vestido e sapatilhas, bem como o sarcasmo e o músico Greg Kurstin.

Em 2021, era só ela, um computador, um microfone e uma interface de gravação. Fingia assistir a aulas por Zoom enquanto produzia canções para uma amiga. Depois, tratou das suas próprias maquetes, incluindo Pain, um pedaço viral de R&B comezinho, baseada numa frase batida do pianista Erik Satie. Esse foi o primeiro vector de transmissão, bastando 12 segundos partilhados no TikTok; a faixa completa, ouvida mais de 400 milhões de vezes no Spotify, tem pouco mais de um minuto. O desenrolar foi semelhante para as canções Just for me (tão popular que até os Coldplay a arranharam na BBC) e Break it off, pontos opostos na rosa-dos-ventos de PinkPantheress: da melancolia cintilante à impaciência em modo turbo.

De facto, à introvertida mixtape To hell with it seguiu-se o EP Take me home, a zunir de tanta energia nervosa. Daí saiu a pegajosa Boy's a liar, êxito que voou além da Internet, até penetrar a radiosfera (com a ajuda da rapper Ice Spice, sensação nascida do mesmo germe online). Agora com 22 anos – a mesma idade de Billie Eilish, com quem está na banda sonora de Barbie –, cabe-lhe provar que um fenómeno do TikTok pode ter fôlego para uma obra com cabeça, tronco e membros. Esconde-se aí um preconceito estúpido sobre uma geração cronicamente hiperactiva, incapaz de fixar ideias por mais do que uns segundos? Sim, mas até a cantora de Boy's a liar fingiu vomitar ao falar da "música de hoje", toda empertigada, em entrevista recente ao The Guardian. Não facilita!

Heaven Knows, longa-duração, vem ao arrepio desse mega-single e dos outros clarões que disparou em 2022. Recolhe-se mais, divide a sua meia hora entre drum'n'bass movido a hélio e R&B doméstico. Meia hora, leu bem: deitou adubo nas suas canções telegráficas, e duas delas espraiam-se mesmo por mais de três minutos. Uma delas, Capable of love, é o supra-sumo de tudo o que PinkPantheress já fez: uma maratona por toda a sua geografia musical e afectiva, tempestade de bateria e melodia, uma crónica emo de obsessão e fatalismo juvenil (depois de ti, mais nada). A outra, Blue, um choradinho de trazer por casa, é útil, porque desmente a falácia da duração: uma canção não é melhor por ser mais longa. Deixem-se disso.

Heaven Knows nunca dá a sensação de estender com um rolo as sobras da massa. Felizmente, tende a quebrar a monotonia com apontamentos furtados aos anos 90 e 2000, como os tambores de mão em Feelings e a harpa sintética em Ophelia. Quando é menos memorável, a culpa é apenas de melodias pouco imaginativas, condenadas à partida: cortar The aisle e Nice to meet you pela metade não seria a sua salvação. Já a pressa de Mosquito, vertigem sem tréguas, ajuda a concretizar a intriga de uma fama passageira e neurótica – embora os melhores momentos do disco garantam que, para PinkPantheress, isso não será uma preocupação.

Há um gótico outonal a pairar na capa, no lançamento encostado ao Halloween, nas imagens e nos toques de abertura e fecho – o órgão no arranque de Another life e os sinos que encerram Capable of love. É vincado pelos pesadelos com um amor que a afoga (por sua culpa) e enterra (a seu pedido), ilustrações do derrotismo e da ansiedade de separação que nos são tão caras (é tão bom ser Geração Z). O ambiente ficou pesado, menos disponível para o seu humor seco de marca. Falta aqui uma tirada tão genial como a de Take me home, em que elogiava a empatia de um médico, depois de tentar desabafar sobre a renda em atraso e ele responder "não é problema meu".

Boy's a liar pt. 2, no final, é sempre bem-vinda, mas destoa do resto – parece ali enfiada para, com os seus 700 milhões de audições, inflacionar o total de reproduções do disco. Serve também para lembrar que, para ganhar o céu, convém não nos levarmos demasiado a sério.

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