A perda de poder de compra dos quadros superiores da Função Pública (2009-2023)

A confirmar-se uma inflação de 3,6% e um aumento salarial em torno dos 3%, a perda de poder de compra dos quadros superiores da Função Pública ultrapassará os 30% face a 2009.

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Os quadros superiores da Função Pública sofreram, desde 2009, uma perda de poder de compra de cerca de 25% no seu vencimento ilíquido pela não actualização dos salários face à inflação. O que se conseguia comprar em 2009 (ano base: IPC=100) com 100 euros, compra-se agora com 129,2 euros, só por via da desvalorização face à subida dos preços (taxa de inflação).

Durante estes anos verificou-se ainda uma diminuição significativa dos salários líquidos por via dos aumentos na ADSE (de 1,5% para 3,5%) e no IRS ocorridos na última década. Portanto, considerando só os encargos directos, a perda de poder de compra cifra-se já em quase 30%. Podemos ainda acrescentar a fiscalidade indirecta (impostos indirectos) que agravou o poder de compra dos portugueses durante estes anos, nomeadamente os impostos sobre o tabaco, os combustíveis, as bebidas alcoólicas, as bebidas açucaradas, imposto único de circulação, entre outros, pagos pelos consumidores, que subiram bastante nos últimos anos.

Durante os anos da troika os funcionários públicos com rendimentos mais elevados tiveram cortes nominais na ordem dos 20%, que, entretanto, foram revertidos. No entanto, ao longo destes últimos 13 anos, os quadros superiores da Função Pública tiveram uma perda de poder de compra superior, devido à não actualização dos salários face à inflação e à subida dos impostos.

No ano de 2024 espera-se uma inflação de 3,6%, pelo que, a confirmar-se o anunciado aumento dos quadros superiores da Função Pública em torno dos 3%, teremos outro ano de perda de poder de compra destes trabalhadores, que já ultrapassará os 30%, tendo em conta a não actualização dos salários face à inflação, o aumento dos descontos para a ADSE e o aumento dos impostos face ao ano base de 2009. Não se compreende também o critério adoptado pelo Orçamento de Estado para 2024 para funcionários públicos no activo e pensionistas com rendimentos equivalentes, uma vez que estes últimos irão ter aumentos superiores. A proposta apresentada prevê que as pensões entre 1020 e 3061 euros terão um aumento de 5,8% e as pensões acima de 3061 euros deverão aumentar 5,2%.

Nos últimos anos o Governo tem vindo a aplicar aumentos salariais diferenciados na Função Pública. Os salários mais baixos têm tido aumentos anuais ligeiramente acima da taxa de inflação (devendo até ser maiores), os salários intermédios têm tido aumentos anuais um pouco abaixo da taxa de inflação e os salários dos quadros superiores da função pública têm tido aumentos salariais bastante abaixo da taxa de inflação, conforme se comprova no quadro abaixo. Esta situação tem desregulado completamente a arquitectura das profissões e das carreiras da Função Pública. Hoje em dia um assistente operacional recebe um vencimento quase igual a um assistente técnico, uma vez que o primeiro tem tido aumentos salariais sempre superiores ao segundo.

A desvalorização dos quadros superiores da Função Pública é bem visível neste momento pela falta de médicos e professores, pois estes profissionais, ao não verem valorizada a sua profissão, têm saído da Função Pública deixando os serviços com um grande défice de profissionais. O menosprezo dos quadros superiores da função Pública é claro, se compararmos a evolução do seu salário líquido com o salário mínimo português. Por exemplo, se fizermos uma análise considerando a evolução do salário mínimo em Portugal face aos salários dos professores do ensino básico e secundário, verificamos uma forte desvalorização salarial destes últimos. Em 2010 um professor em início de carreira ganhava um pouco mais de 2 salários mínimos, hoje ganha 1,5 salários mínimos. Em 2010 um professor a meio da carreira ganhava 3 salários mínimos, hoje ganha 2 salários mínimos.

O Governo tem optado por estratégias diferenciadas face à falta de quadros superiores na Função Pública. No caso dos informáticos e dos médicos optou por negociar um aumento salarial extraordinário “caso a caso”, já em relação aos professores preferiu diminuir as habilitações mínimas para a docência e para acesso à profissionalização e à carreira, o que obviamente terá consequências a médio prazo sobre a qualidade dos professores portugueses.

PÚBLICO -
Aumentar

O Governo e a sociedade portuguesa têm de reflectir se querem recrutar os melhores quadros para a Função Pública, tendo para isso de lhe proporcionar condições de vida e de carreira aliciantes. Se esta trajectória de perda contínua de poder de compra dos quadros superiores da Função Pública não for alterada, teremos de recorrer brevemente a profissionais com capacidades e conhecimentos limitados, que se contentem com um salário baixo. Mas neste caso não podemos esperar grandes melhorias nos serviços que prestam às populações.

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