Educação – dados para que vos quero? Fazer o que ainda se pode

Quem não se sabe avaliar a si próprio, como avalia os outros? Como é que o sistema de ensino prepara um país a quantificar, monitorizar, avaliar?

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De alunos que melhoraram na pandemia, provas sem comparabilidade ou recuperação de aprendizagens com falhas na quantificação – problemas na utilização de dados que muito perigam a ação e fundamentação de política pública. Não deixa de ser tristemente irónico que estes casos sejam educação, onde a avaliação devia ser um processo normal. Quem não se sabe avaliar a si próprio, como avalia os outros? Como é que o sistema de ensino prepara um país a quantificar, monitorizar, avaliar?

Resultados

A Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) publicou recentemente dados sobre a evolução entre 2011/12 e 2021/22 das classificações internas dadas pelos professores do 2.º e 3º ciclos do Ensino Básico. As notas melhoraram, em especial a partir de 2021/21 e, pasme-se, há quem conclua que a pandemia até melhorou as aprendizagens.

A acriticidade e achismo dessas conclusões são chocantes. Num recente artigo, Susana Peralta mostrava, mais uma vez, evidências académicas e robustas sobre a perda de aprendizagens em todas as idades e ciclos. Alexandre Homem de Cristo e outros autores já o tinham vindo a fazer. Não são temas para “acho que” e ter especial dúvida quando se contraria um resultado totalmente consensual e internacional de quem tem mais e melhores dados.

Evidentemente que algum bom senso, trabalho de campo e análise qualitativa dos dados explicariam que parte dos resultados se dá pela alteração de critérios de avaliação, diferentes conteúdos e uma tentativa generalizada, e entendível, de professores que, numa escola à beira de nervos e afundada em desmotivação, tentam manter os alunos à tona de água.

Se isto já é suficientemente mau, piora porque não é a primeira vez. Recordo anteriores análises do Iave – Instituto de Avaliação Educativa ​onde se chegava à conclusão que, durante a pandemia, os resultados das provas de aferição melhoraram. Não eram suficiente más as conclusões em geral, quando vendo os dados no detalhe, até a motricidade tinha melhorado... durante a pandemia. Mas não ocorre imediatamente que tem de haver uma explicação, sob pena de total descredibilização?

Recuperação de Aprendizagens

Esta falta de fundamentação nas políticas públicas e mau convívio com dados e escrutínio tem outra expressão recente: na preparação, monitorização e avaliação dos Planos para a Recuperação das Aprendizagens 21/23 Escola+ e 23/34 Escola+.

Não há objetivos acompanhados por indicadores e metas predefinidas. Um exemplo claro: queríamos saber quantas crianças atingiram uma determinada meta de ensino, temos os números de quantas turmas tentaram chegar lá… Pedimos resultados por crianças, vieram dados de “adesão” por escola e turma. Num outro pedido, falámos de impacto, responderam-nos com “perceção de impacto”.

Quando houve oportunidade para corrigir a situação, a maioria parlamentar removeu um ponto de uma resolução aprovada na Assembleia que pedia a apresentação de um relatório detalhado sobre como os recursos humanos e materiais foram alocados e distribuídos no investimento para a recuperação das aprendizagens.

O Tribunal de Contas, numa auditoria a este programa de recuperação de aprendizagens, ainda antes do Verão, confirmou a ausência de indicadores e metas predefinidas e a ausência de um documento global. De uma forma clara, o Tribunal de Contas salienta a falta de monitorização e avaliação, de insuficiências no sistema de acompanhamento e controlo, e a inexistência de um sistema de recolha de informação fiável.

Perante as críticas, o ministério escudou-se junto do Tribunal de Contas com 17 relatórios de monitorização, esquecendo que quantidade não é equivalente a qualidade. Nos últimos dias, em audição na Assembleia, chamado pela Iniciativa Liberal, o ministro, confrontado com as críticas, desvalorizou o contraditório e a auditoria.

Recentemente, o estudo de diagnóstico do Iave conclui que os alunos do 6.º e 9.º anos de 2023 têm resultados iguais ou piores em leitura, matemática e ciências do que os alunos de 2021. A pandemia continua a ter impacto, e é preocupante que isso seja evidente agora, quando já deveríamos estar ver os resultados da recuperação.

Do nosso lado, preferíamos estar errados, a ter razão.

A importância dos dados

No final de toda esta história de dados, avaliações e monitorizações, há um tremendo dano, e não é só para as aprendizagens. É para a utilização de dados. Faço uma luta sistemática por avaliação, dados, política de “open data” e política baseada em evidência. Quando vêm os dados com falta de credibilidade ou alvo de falta de acriticidade ou ainda manipulação pelos principais agentes de política, passamos a ter de dedicar tempo a ter de “desmontar” os dados.

Isso é um trágico passo atrás, e não nos podemos deixar cair no erro de pensar “se é assim, dados para que vos quero”?

Próximos passos

Temos de afirmar claramente que muito mais podia ter sido feito pelos nossos filhos e netos. E, neste momento, importa aprender e ver o que ainda se pode fazer. Na recuperação de aprendizagens é mais do que um plano, passa por autonomia das escolas, recursos e alteração do modelo de gestão escolar.

A não recuperação das aprendizagens é um dos maiores aceleradores de desigualdade social e de falta de oportunidades. Tem, por isso, de ser importante, da política governativa à valorização da sociedade. É fundamental agir com eficácia, e fazer-se o que ainda se pode.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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