Becky Schott mostra a beleza de lugares recônditos para que seja possível preservá-los

Mergulhadora norte-americana fotografa navios naufragados e grutas de gelo: certos naufrágios são como “filmes da Disney”, conta.

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Fotógrafa faz mergulho subaquático há 29 anos Rui Gaudêncio
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Becky Kagan Schott arrisca a sua vida para conseguir as melhores fotografias. Foi isso que aconteceu quando mergulhou debaixo de um icebergue na Antárctida. A certa altura, começou a sentir-se gelada, demasiado gelada – a água estava a menos de dois graus Celsius. Quase de imediato, percebeu que tinha de sair de água: estava com problemas com o seu fato de mergulho. Conseguiu voltar à embarcação que acompanhava o mergulho e resolver o problema rapidamente, até porque tinha de fotografar uma foca-leopardo que estava por ali a passar. Hoje recorda: “Entrei logo outra vez na água. A foca-leopardo é aquele animal que toda a gente quer fotografar...” No final, ainda ficou com o pé magoado. Mas conseguiu tirar a fotografia.

É esta a busca de Becky Schott: conseguir captar a beleza de lugares recônditos. Esta é uma estratégia para que as pessoas apreciem esses sítios e os queiram preservar. “Foco-me em mostrar a beleza do meio ambiente, como dos pinguins e dos ursos-polares. Se quem os vir se apaixonar por esses animais, mais facilmente vai querer protegê-los”, transmite ao PÚBLICO, durante a sua participação no Diving Talks, um encontro que decorreu em Lisboa, no Museu de Marinha.

Desde cedo que Becky Schott se sentiu atraída pelo mundo subaquático. Há 29 anos, quando tinha 12 anos, fez o seu primeiro mergulho subaquático. “Adorava peixes, tubarões e tartarugas. Queria vê-los com os meus próprios olhos”, relembra, a propósito da vontade para começar a fazer mergulhos no oceano.

Hoje faz essas visitas subaquáticas a navios naufragados, grutas de gelo e vida selvagem no oceano. Os seus trabalhos como fotógrafa e operadora de câmara subaquática já lhe valeram cinco prémios Emmy. Actualmente, na sua agência Liquid Productions, capta imagens nesses ambientes extremos debaixo de água. “Estes são ambientes muito difíceis e desafiantes de captar. São necessários anos de experiência para se ser capaz de trabalhar lá”, nota.

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A mergulhadora prepara-se vários meses antes para cada experiência subaquática DR

A preparação para cada visita, seja a grutas de gelo ou a navios naufragados, pode levar meses a planear. Nesses meses, é preparado equipamento e fazem-se mergulhos de preparação, para que seja possível visitar esses locais extremos. “O grande desafio do mergulho por baixo de água é que alguma coisa pode falhar a qualquer momento”, nota. A mergulhadora tem uma equipa que lhe dá apoio nessas questões.

Só assim tem conseguido ir a locais onde estão navios naufragados. Entre os seus lugares de preferência para visitar essas embarcações estão os Grandes Lagos da América do Norte, onde se encontram navios preservados em água doce fria. Alguns deles têm 150 anos.

Como filmes da Disney

A embarcação Cornelia B. Windiate é uma das que já visitou mais – oito ou nove vezes. “Quando mergulho nesse navio, parece um filme da Disney, porque os mastros ainda estão de pé e há cabines praticamente intactas”, descreve a mergulhadora, que vive em Filadélfia, nos Estados Unidos. “É um navio naufragado visualmente impressionante.” O Cornelia B. Windiate está a 60 metros de profundidade e esteve desaparecido durante cerca de 100 anos. Só depois foi encontrado e muito bem conservado. Normalmente, Becky Schott mergulha lá no Verão.

Visitar navios naufragados é um dos trabalhos de eleição de Becky Kagan Schott DR
Nos seus mergulhos, Becky Kagan Schott tem encontrado alguns objectos DR
Nos seus mergulhos, Becky Kagan Schott tem encontrado alguns objectos DR
Becky Kagan Schott tem visitado navios naufragados muito bem preservados BKS?
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Visitar navios naufragados é um dos trabalhos de eleição de Becky Kagan Schott DR

Apesar destas frequentes visitas ao Cornelia B. Windiate, a fotógrafa gosta muito de descobrir novos lugares e tem a ajuda de amigos. “Tenho alguns amigos que são caçadores de navios naufragados e, se descobrem um novo navio, avisam-me e deixam-me ser a primeira a mergulhar”, conta. Alguns deles são da altura da Guerra Civil norte-americana. “É fascinante entrar dentro da parte da parte onde guardavam a mercadoria”, conta sobre essa experiência.

Quanto a Becky Schott, nunca descobriu navios naufragados. Apenas encontrou objectos nessas embarcações, desde sapatos, passando por uma cartola do século XIX, frascos de medicamentos, munições, até aeronaves em porões de carga.

Nem só directamente com as suas câmaras a mergulhadora gosta de mostrar esses locais. Ao longo dos últimos anos, tem criado modelos a três dimensões para que as pessoas vejam os navios que visitam nos ecrãs dos seus computadores, telemóveis ou exposições, como a que inaugurou em Wisconsin, nos EUA. A tecnologia usada chama-se “fotogrametria” e são tiradas milhares de fotografias, para que possam ser criados esses modelos a três dimensões.

A fotógrafa diz que gosta de visitar naufrágios através de mergulhos. “Não gosto de estar em espaços pequenos, como submarinos”, indica, referindo-se a veículos como o submersível Titã, da empresa norte-americana OceanGate, que fazia visitas ao navio Titanic e causou a morte de cinco turistas este ano. Como tal, a mergulhadora diz que, para se fazer esse tipo de turismo, as pessoas têm de estar bem conscientes de todos os riscos.

Mas nem só a navios naufragados faz visitas Becky Schott. Outra das suas grandes “especialidades” é a visita a grutas de gelo. Nestes locais, aquilo que a fascina é a beleza do próprio gelo. “O gelo é dinâmico e sempre em mudança. Nunca parecerá o mesmo duas vezes. Podemos voltar um mês depois e já estar diferente”, conta. “As grutas de gelo são como catedrais.”

Frio e azul são as palavras com que descreve esse ambiente: “É tudo muito brilhante, azul e deslizante. Se meter a mão na parede, sente que é escorregadia. Se apontar uma luz para essa parede, vai brilhar como diamantes, porque o gelo nos cristais é absolutamente belo. Tudo brilha!”

Cada vez mais grutas de gelo

Nos últimos anos, Becky Schott diz que, provavelmente, se têm vindo a formar mais grutas de gelo, devido às alterações climáticas. À medida que a água do oceano aquece, as plataformas de gelo vão-se partindo. Depois, ficam repletas de água doce. Por fim, são formadas as tais grutas, com gelo que volta a congelar.

Um dos seus grandes desafios é inspirar outras pessoas com o seu trabalho. “Quero mostrar a beleza de lugares que não são frequentemente observados”, nota. Depois, ao criar, esse fascínio, espera que as pessoas exijam a sua conservação em tempo de alterações climáticas. “A minha maior preocupação quanto às alterações climáticas é a perda de espécies. Quero que seja possível observar ursos-polares nos próximos 30 anos como faço hoje. Com as alterações climáticas, o meio ambiente está a mudar e os ursos polares estão a perder os seus habitats.”

A mergulhadora numa espécie de glaciar DR
Becky Kagan Schott diz que o ambiente de grutas de gelo ou por baixo de glaciares é azul e brilhante DR
Becky Kagan Schott a tocar em gelo num dos seus mergulhos DR
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A mergulhadora numa espécie de glaciar DR

Um dos seus próximos grandes projectos será numa grande depressão circular marinha, o Grande Buraco Azul, no Belize, para um documentário. Outro dos seus planos será ir ao atol de Bikini, nas Ilhas Marshall, onde há navios naufragados com corais. “Vou à Antárctida no próximo ano e depois a este atol. Quero fotografar navios naufragados únicos com os corais mais bonitos.” Espera fazer estas viagens no próximo ano.

No próximo ano, espera também vir a Portugal explorar alguns navios naufragados, provavelmente, nos Açores. Por enquanto, nesta visita a Lisboa, observou embarcações fora de mar, feitas no século XVIII, no Pavilhão das Galeotas, no Museu de Marinha. “Nunca tinha visto... São muito bonitos e especiais. Há muita história aqui”, diz, a observar essas embarcações. Tal como a história que encontra nos mergulhos que faz no oceano.

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