Organizações europeias do sector livreiro reivindicam uma IA “transparente”

Num comunicado, três grandes organizações criticam as “ilegalidades” dos modelos de IA generativa e instam a União Europeia a aproveitar uma oportunidade “rara” para “proteger os seus cidadãos”.

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Imagens do festival literário Folio, que decorre em Óbidos até este domingo Nuno Ferreira Santos
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O Conselho Europeu de Escritores (EWC, na sigla em inglês), a Federação Europeia e Internacional de Livreiros (EIBF), sediada em Bruxelas, e a Federação Europeia de Editores (FEP) divulgaram, esta quarta-feira, um comunicado conjunto em que argumentam que a União Europeia (UE) deve “agir agora” para garantir mais transparência nas ferramentas de inteligência artificial (IA) generativa, que são capazes de produzir conteúdo original (texto, vídeo, imagens ou áudio) a partir de enormes bases de dados. Estas três grandes organizações defendem que não é só o mercado livreiro que depende dessa transparência — é, também, a própria democracia.

Divulgado no dia em que arrancou, em solo alemão, a Feira do Livro de Frankfurt, “a maior feira do livro no mundo”, o comunicado diz que os modelos de IA generativa foram desenvolvidos “de um modo opaco e injusto, fazendo uso ilegal de milhões de livros protegidos por direitos autorais” sem a devida permissão dos seus autores ou das suas editoras. Para a EWC, a EIBF e a FEP, esta prática tem impactos negativos não só sobre os detentores desses direitos autorais, como sobre “a democracia em si”, na medida em que “facilita a criação em massa de conteúdo enganoso, enviesado e até mesmo perigoso”.

No âmbito do novo Regulamento para a Inteligência Artificial (AI Act) que está a ser negociado e que, se for aprovado, deverá ser a primeira lei abrangente e transectorial sobre IA no mundo, o Parlamento Europeu (PE) sugere obrigações relacionadas com transparência para ferramentas de IA como o ChatGPT e o Bard, que usam IA generativa para responder textualmente a questões colocadas pelos utilizadores. Na sua posição de negociação sobre o AI Act, o PE propõe que estes softwares, que podem ser usados como auxílio para desenvolver romances, poemas ou outros trabalhos, tenham de providenciar um “sumário detalhado do material protegido por direitos autorais” usado para os treinar e permitir o seu desempenho.​

No seu comunicado conjunto, o Conselho Europeu de Escritores, a Federação Europeia e Internacional de Livreiros e a Federação Europeia de Editores elogiam esta proposta, chamando-lhe “um bom primeiro passo”. As organizações defendem que a transparência é vital para garantir um “ecossistema justo e seguro” na era da IA — e dizem que a UE deve aproveitar esta oportunidade “ideal” e “rara” para “melhorar a proposta” e “proteger os seus cidadãos através do AI Act”.

Os comunicados e cartas abertas do sector livreiro advertindo contra as ameaças da IA têm-se amontoado nos últimos tempos. Em Julho, numa carta aberta divulgada pela Authors Guild, organização norte-americana que fornece apoio jurídico a escritores e escritoras em matéria de liberdade de expressão e protecção de direitos autorais, signatários como James Patterson, Jonathan Franzen, Margaret Atwood, Nora Roberts ou Suzanne Collins criticaram a falta de remuneração monetária aos autores cujos trabalhos foram usados sem consentimento para treinar modelos de IA generativa. “Estão a gastar milhares de milhões de dólares para desenvolver a tecnologia de IA. É justo que nos compensem pela utilização dos nossos textos, sem os quais a IA seria banal e extremamente limitada”, escreveram.

“A IA não pode criar sem tirar das histórias humanas já escritas”, sublinhou ainda Nora Roberts.

Em Agosto, a base de dados Books3, um arquivo digital com mais de 170 mil livros pirateados, foi removida da Internet na sequência de uma denúncia da Rights Alliance, um grupo dinamarquês antipirataria. O Books3 estava a ser usado para treinar modelos de IA, embora não tivesse sido criado com esse propósito. Segundo a revista americana The Atlantic, a colecção incluía obras de nomes como Elena Ferrante, Haruki Murakami, Jonathan Franzen, Margaret Atwood, Rachel Cusk e Stephen King.

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