Leitão Amaro: “O Governo não está a cumprir várias condições” do acordo sobre o novo aeroporto

Vice-presidente do PSD assume visão distinta da de Marcelo e critica a proposta de Orçamento por apontar para a “desistência” de transformar o país e privilegiar uma “escolha eleitoralista”.

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António Leitão Amaro, vice-presidente social-democrata, em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença Nuno Ferreira Santos
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António Leitão Amaro antecipa, em entrevista ao programa Hora da Verdade do PÚBLICO e da Rádio Renascença, que os portugueses "não devem esperar surpresas" quanto ao sentido de voto do partido em relação a um Orçamento que classifica de "eleitoralista", assente em "impostos máximos, serviços mínimos" e que conduz ao "empobrecimento do país". E apesar de o Governo se ter aproximado do PSD na proposta de descida do IRS, defende que este imposto "tem que descer ainda mais, significativamente mais".

Quanto ao fantasma de Passos Coelho, garante que na direcção social-democrata ninguém "vive assustado com retrovisores" e sobre a possibilidade de os sociais-democratas deixarem cair um entendimento com o Governo quanto ao processo de escolha da localização do novo aeroporto de Lisboa, Leitão Amaro assegura que o PSD vai "tomar a decisão baseado no comportamento da outra parte e no cumprimento do acordo".

Marcelo Rebelo de Sousa veio dizer, em relação à proposta de Orçamento do Estado (OE), que é a única estratégia possível e que ir mais longe seria um grande risco. O PSD tem a mesma visão?
O PSD acha e diz aos portugueses que havia um caminho diferente. Custa-me muito ver aplaudir um Orçamento que basicamente diz aos portugueses para pagarem mais, para receberem menos. A carga fiscal para o ano de 2024 vai bater um novo recorde.

Estas declarações do Presidente da República são declarações que o PSD não precisava?
O Presidente faz o seu papel, diz o que entender e eu não ouvi sequer as declarações dele para perceber exactamente o que diz. Ao PSD cabe formular e apresentar aos portugueses uma visão que deve ser, e é, bastante diferente. Este caminho de António Costa é errado. Era possível fazer diferente.

O Governo falha porque podia e devia ter reduzido mais o IRS e devia ter reduzido o IRC, em que nem sequer tocou. O que propomos reduzir de IRS é menos do que o chamado imposto inflacionista. Muitas vezes ouvimos pessoas perguntar 'por que é que vocês não propõem reduzir e não explicam qual é que é a despesa que iam cortar para financiar esta redução de IRS'. Nós não propomos, neste momento, fá-lo-emos mais à frente. Achamos que o IRS tem que descer ainda mais, significativamente mais, porque esta redução de IRS é paga com o chamado imposto inflacionista, com a receita a mais que a inflação.

Se as pessoas vivem dificuldades, tempos de incerteza, temos que confiar e deixá-las com o dinheiro do seu trabalho, do seu investimento, e não puxá-lo para o Estado para depois, à medida da conveniência eleitoralista da visão benevolente que o Governo achar que tem, distribuir uma parte.

Falou em eleitoralismo. O Governo e o PS já entraram em campanha eleitoral rumo às europeias de Junho?
Parece-me evidente. A opção de dizer ‘passem para cá o dinheiro para depois eu, ao longo do ano, e se calhar mais perto das eleições, ir dando’, parece-me também uma escolha eleitoralista. Mas o grande problema deste Orçamento é a desistência. O Governo desistiu de transformar o país, aceitou a falência do Estado social que é infligida e criada por este Governo.

Numa primeira reacção, o líder do PSD, Luís Montenegro veio dizer sobre este OE que é “pipi, bem apresentadinho e muito betinho”. É adequado o presidente do maior partido da oposição referir-se assim ao OE?
O presidente do PSD é uma pessoa muito educada e todos os termos que utilizou são educados e fazem parte de uma linguagem adequada, séria e respeitadora. Sabemos onde é que no espaço público português estão as linguagens agressivas, insultuosas e elas estão em extremos políticos, à esquerda e à direita, mas muitas vezes na intervenção do próprio primeiro-ministro.

Este Orçamento, segundo as declarações de Medina, reforça apoios sociais às famílias. Há uma mexida nos escalões do IRS que se aproxima daquilo que era proposto pelo PSD e também há a redução da dívida pública, até com um excedente orçamental. O Governo está a roubar o discurso do PSD?
Não, de todo, estou a dizer quatro pecados capitais que este Orçamento repete: impostos máximos, serviços mínimos, empobrecimento do país, esquecimento completo das empresas e da competitividade. E, já agora, um resultado global em que põe os mais pobres a sofrer mais.

Por tudo aquilo que já disse, podemos depreender que o mais certo é que o PSD vote contra esta proposta de OE?
Podemos deixar os portugueses tranquilos. O PSD não se revê neste caminho e, portanto, não devem esperar surpresas na posição de voto partido. Temos jornadas parlamentares no início da próxima semana e será comunicado o sentido de voto.

Sobre a localização do novo aeroporto. O PSD vai, ou não, conseguir cumprir com o acordado com o Governo e aceitar aquela que for a conclusão da comissão independente? Como é que o PSD se vai posicionar no final disto?
A pergunta é se o Governo vai cumprir o acordo com o PSD. E foi esse o aviso que o meu colega vice-presidente do partido [Miguel Pinto Luz] fez. Há sinais de que esse acordo, as condições do acordo podem não estar a ser cumpridas: independência técnica face às várias soluções, não-interferência de governantes a quererem influenciar as decisões. Por último, o mandato da comissão independente é para avaliar propostas, não é para escolher a solução. Isso é uma decisão política. Aos técnicos o que é dos técnicos, aos políticos o que é dos políticos.

Há nisto uma ameaça de que o PSD pode saltar do acordo e que aquilo que foi acordado pelo próprio líder do PSD e o primeiro-ministro não ir até ao fim?
O Governo vai ou não vai cumprir a sua função? É isso que nós queremos saber.

Depende disso a posição do PSD?
[É preciso] tomar a decisão baseado no comportamento da outra parte e no cumprimento do acordo. É isso que estamos a exigir, que o acordo seja cumprido.

A proposta de OE para 2024 já devia contemplar despesa para a construção do novo aeroporto de Lisboa? Ou é uma coisa que ainda é muito remota e muito lá longe e que mais tarde se pode falar?
Há uma coisa que devia estar a acontecer. O acordo exigia o início imediato de obras no aeroporto da Portela. Nós também avisámos agora que esse aspecto do acordo já está a ser incumprido, objectivamente. Seja qual for a solução escolhida, vai demorar alguns anos. Estamos a ser prejudicados com esta incompetência de o Governo não fazer a sua parte e no contrato que tem com a ANA cumprir os poderes, que também é um dever, de exigir a realização daquela obra.

O PSD não teme colocar em causa um consenso para uma solução que se espera há décadas?
Se existe um acordo entre os dois principais partidos com condições que defendem o interesse público e o Governo não cumprir as responsabilidades e os compromissos que assumiu, onde é que está a responsabilidade do PSD? Neste momento só há uma responsabilidade de fazer. E só a um lado neste processo podem ser exigidas responsabilidades. O PSD, que não vai ter que tomar a decisão, aparentemente, porque não será governo nessa altura, fez aquilo que outros poderiam ter feito, que foi dizer, para dar um apoio político a uma decisão, precisamos de ter essas condições cumpridas. O Governo aceitou. Não está a cumprir várias. Onde é que está a responsabilidade? É apenas e exclusivamente no Governo. O juízo e a censura política que se fizer é ao Governo, que é o responsável por cumprir esses compromissos.

O PSD estaria disponível, se o Governo também estivesse, para consensualizar também a escolha da localização depois do relatório final ser conhecido?
Os termos do acordo são conhecidos.

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António Leitão Amaro, dirigente do PSD Nuno Ferreira Santos

Digo num passo posterior.
Temos um acordo. Porquê estar a fugir do que está acordado? Vamos cumprir o acordo. Não vamos facilitar a vida a quem está a ser incompetente. Vamos exigir àqueles que dão uma palavra que cumpram a sua palavra. O responsável é o Governo, tem que cumprir a palavra que colocou no papel e no acordo que assinou com o PSD.

Esta semana foram conhecidas duas sondagens que mostram que o PSD, após meses sem conseguir descolar do PS, está agora em queda nas intenções de voto e mais longe dos socialistas. É a prova de que a mensagem de Montenegro não está a passar?
Temos sondagens agora, umas mais recentes, outras mais antigas, e todas confirmam uma proximidade. Todas falam agora em empate técnico, com tendências umas a subir, outras a descer. Se em um ano recuperamos 14 pontos, imagine o que é que vamos fazer nos próximos três.

Diria que a estratégia do PSD está a ser atrapalhada por questões internas? Temos Carlos Moedas e Passos Coelho a serem cada vez mais apontados como potenciais candidatos à liderança do partido após as eleições europeias.
Atrapalhado um partido que tem um presidente de Câmara de Lisboa a fazer um excelente mandato? Temos imenso orgulho no óptimo desempenho, no sucesso, na transformação que Carlos Moedas está a trazer a Lisboa.

Não está Moedas a posicionar-se?
Está a cumprir o seu mandato.

Está a evitar falar de Passos?
O PSD tem orgulho nos seus ex-presidentes, mas em particular no ex-primeiro-ministro Passos Coelho. Vivemos muito confortáveis com o que ele fez pelo país. Tenho este princípio na vida: só quem tem pouco que fazer, não sabe para onde ir, nem tem capacidade de transformar, é que vive assustado com retrovisores. No caso do PSD, no caso do presidente do PSD, todos contam.

Luís Montenegro levou mais de um ano a clarificar em definitivo a posição do partido relativamente a qualquer tipo de aliança com o Chega. Esta hesitação e esta falta de clarificação prejudicaram a afirmação do actual líder do PSD?
A mensagem foi toda coerente, ou não foi?

A verdade é que foi faltando dizer a palavra Chega.
Agora que a fome da palavra foi satisfeita, querem continuar a falar sobre a palavra como se o assunto não estivesse arrumado? Por favor, já chega António Costa e André Ventura andarem de braço dado sem nenhum programa de transformação para o país.

Há muitos meses que está prometida a aprovação dos estatutos da direcção executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Tem havido sinais do Presidente da República. A direcção executiva pode estar em causa?
Isso é uma avaliação que fará o senhor Presidente e o primeiro-ministro, mas sobretudo o primeiro-ministro, que é o responsável pela falência operacional do SNS.

É urgente que estes estatutos da direcção executiva sejam aprovados?
Tal como o Presidente da República tenho muitas dúvidas de que esta seja a solução que vai resolver o problema do SNS. Porque há uma sucessão de incompetência ou incapacidade política. Escolhas erradas na organização do sistema, no modelo de financiamento, na autonomia, no terminar das PPP, na cegueira ideológica contra uma colaboração institucionalizada.

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