As provas mais antigas mostram que os neandertais já caçavam leões-das-cavernas

Cientistas analisaram esqueleto quase completo de um leão-das-cavernas, originalmente escavado em 1985, em Siegsdorf, na Alemanha, que data de há 48 mil anos.

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Ilustração de neandertais a abaterem um leão-das-cavernas Julio Lacerda/NLD
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Um estudo de uma equipa internacional, publicado esta quinta-feira na revista Scientific Reports, analisa aquelas que os autores dizem ser as provas mais antigas de que os neandertais, primos euro-asiáticos dos humanos modernos, já caçavam leões-das-cavernas e utilizavam as suas peles.

Os investigadores analisaram um esqueleto quase completo de um leão-das-cavernas (Panthera spelaea), originalmente escavado em 1985 em Siegsdorf, na Alemanha, e que data de há 48 mil anos. Pensa-se que os restos mortais pertenciam a um leão-das-cavernas “macho, de tamanho médio e idade avançada, como evidenciado pelo desgaste extremo dos dentes e pela remodelação óssea avançada das extremidades e da mandíbula”, referem os cientistas no artigo. O leão-das-cavernas foi uma espécie de felino que viveu entre há 370 mil e dez mil anos, estando já extinto há milhares de anos.

Marcas de corte nos ossos, incluindo em duas costelas, nalgumas vértebras e no fémur esquerdo do espécime, sugeriam que os humanos antigos tinham esquartejado o felino depois de o animal ter morrido. Porém, agora os autores descrevem marcas de perfuração na caixa torácica, nomeadamente uma “ferida de punção parcial no interior da terceira costela do leão, que parece corresponder à marca de impacto de uma lança com ponta de madeira”, destaca o resumo da Scientific Reports sobre o artigo.

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Os restos mortais do leão-das-cavernas de Siegsdorf expostos ao lado da reprodução de uma lança de madeira semelhante às utilizadas pelos neandertais Volker Minkus/NLD

O resumo acrescenta que “a perfuração é angular, o que sugere que a lança entrou no lado esquerdo do abdómen do leão e penetrou em órgãos vitais antes de embater na terceira costela do lado direito” do animal. As características da ferida assemelham-se às “encontradas em vértebras de veado, que se sabe terem sido feitas por lanças de neandertal”. O que leva os cientistas a concluírem que o espécime de Siegsdorf representa a mais antiga prova de que os neandertais caçavam propositadamente leões-das-cavernas, tendo matado e esquartejado o animal para consumo. Após se apoderarem da carne e das vísceras do animal, a carcaça poderá ter sido abandonada.

No estudo, os investigadores sugerem que os caçadores neandertais poderão ter aproveitado “o facto de o leão estar numa posição de repouso, aproximando-se do animal com mais segurança por trás e esfaqueando-o no baixo-ventre enquanto [o animal] estava deitado sobre o seu lado direito” — uma “abordagem estratégica” que se assemelha “às tácticas utilizadas pelos caçadores do Paleolítico Superior durante a caça aos ursos-das-cavernas em hibernação”. A idade do leão de Siegsdorf pode também ter impedido que o animal se conseguisse defender ou fugir.

Neandertais usavam as peles dos leões

Os autores analisaram ainda ossos dos dedos dos membros inferiores (nomeadamente falanges distais) de três espécimes de leões-das-cavernas com pelo menos 190 mil anos encontrados em Einhornhöhle, na Alemanha. Estes ossos também apresentam “marcas de corte consistentes com as geradas quando um animal é esfolado”, refere o resumo da Scientific Reports. A localização destas marcas de corte sugere que foi “adoptada uma abordagem cuidadosa durante o processo de esfola para garantir que as garras permanecessem preservadas dentro da pele”, nota ainda o resumo. A equipa acredita que esta pode ser a mais antiga prova de que os neandertais utilizavam peles de leão-das-cavernas na Europa Central, eventualmente para fins culturais ou mesmo para os proteger do frio.

“Entre todos os grandes predadores que encontrámos durante o nosso percurso evolutivo, o leão é, sem dúvida, um dos mais carismáticos. Até hoje, continua a ser um ícone da cultura popular em muitas tradições de todo o mundo”, notam os autores no artigo. Apesar de o registo arqueológico demonstrar a importância do leão-das-cavernas para a nossa espécie (os humanos modernos) — como as pinturas rupestres do Homo sapiens que representavam este animal —, “continua a não ser claro como as outras espécies humanas interagiam com este predador, para além da competição entre espécies”.

Em conjunto, os investigadores acreditam que estas descobertas fornecem novos conhecimentos sobre as interacções entre os neandertais e os leões-das-cavernas durante o Pleistocénico. Mas não só: o estudo, dizem, fornece novas provas sobre “a complexidade comportamental dos neandertais”.

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