A liberdade de opinião na Universidade

Fazer da deselegância motivo para queixa e processo disciplinar não tem cabimento no quadro de uma sociedade aberta e plural, de que fazem parte a contradição e a polémica.

No início deste século, fez caminho a ideia de que as universidades portuguesas padeciam de excessos de democracia que inviabilizavam a sua governação. Hoje o caso é certamente diferente. O reitor concentra enorme poder e está sujeito a reduzido escrutínio, gerando-se um desequilíbrio propenso a formas autoritárias de exercício do seu poder, que podem até colocar em risco a própria liberdade de expressão dos membros da universidade.

A democracia portuguesa tem-se preocupado, e bem, em proteger a liberdade académica de eventuais pressões sobre ela exercidas a partir do exterior; é assim que os governos portugueses estão impedidos de determinar quem dirige esta ou aquela instituição do Ensino Superior. Mas importa igualmente assegurar que as chefias universitárias não se tornam, elas próprias, num entrave àquela liberdade. Numa altura em que se discute a revisão do Regulamento Jurídico das Instituições do Ensino Superior, deixo esta questão – e o exemplo que se segue – para reflexão pública.

Há cerca de dois anos, junto com outros colegas, organizei uma lista que se apresentou ao Conselho Geral da minha universidade e assim contrariou o sistema de “lista única”, tendencialmente afeta à agenda do reitor do momento. Mais do que um programa concreto para o futuro da universidade, juntou-nos a exigência de que a política que decide esse futuro seja matéria de debate entre os seus membros. Verificou-se então um grande aumento da participação eleitoral e os resultados deram à “lista alternativa”, por que fui eleito, cerca de 60% dos votos. Desde então, o Conselho Geral tem sido lugar de consensos relevantes, mas também de divergências importantes, em torno de matérias como a democraticidade de algumas escolas, as operações imobiliárias que a reitoria pretende realizar, a precariedade dos investigadores ou o valor de algumas propinas.

Foi no contexto desta última matéria que, no meio destas últimas férias de Verão, fiz um comentário acerca da chamada NOVA SBE, a “School of Business and Economics”, que por lei deveria igualmente identificar-se como Faculdade de Economia da Nova. Escrito no meu mural de Facebook, as minhas palavras nem por isso escaparam à vigilância da SBE e da reitoria. Assim, o diretor e outros membros desta escola apresentaram queixa contra mim junto do reitor e do Portal de Denúncias da universidade. O reitor, por sua vez, apresentou queixa junto do Colégio de Diretores da universidade, órgão que contra mim também apresentou queixa, neste caso junto da presidente do Conselho Geral. O desenlace desta novela é ainda incerto, sendo possível que origine um processo disciplinar contra a minha pessoa. Um processo cuja sanção será determinada pelo reitor, escorado num parecer de autoria de um Conselho de Disciplina cuja maioria dos membros é determinada pelo reitor.

E qual o comentário que serve de pretexto a toda esta litigância? O comentário visou uma notícia promocional à SBE, na qual se dava conta da entrada nesta escola de mais de 1700 alunos de mestrado, 70% dos quais internacionais, com propinas mínimas de cerca de 12000€. A propósito desta notícia, escrevi – e cito na íntegra: «A Nova tem a melhor fábrica portuguesa de encher chouriços. Chamam-lhe school mas é a mania do gourmet a falar mais alto. Basicamente, é o melhor negócio export do país. E, como é característico dos nossos liberais, é sustentado pelo Estado que eles tanto abominam». Compreendo facilmente – e digo-o sem ironia – que o diretor da SBE tenha ficado desagradado com o meu comentário. Apesar da sua proverbial popularidade, a analogia a que recorri é “deselegante”, como ele assinalou. Mas fazer da deselegância motivo para queixa e processo disciplinar não tem cabimento no quadro de uma sociedade aberta e plural, de que fazem parte a contradição e a polémica.

Não peço ao diretor da SBE que deixe de dar as suas lições de liberalismo económico, mas permito-me recomendar-lhe que de caminho frequente um curso de liberalismo político. E sobre o governo e rumo da SBE, nada mais direi nesta ocasião. Porque o que me faz escrever estas linhas é, antes de mais, a necessidade de afirmar que os membros de uma universidade podem discordar de forma aberta, livre e contundente dos dirigentes máximos da sua instituição e do rumo que esta tome. Esta possibilidade existirá em algumas universidades, mas não em todas, o que – e volto ao início deste texto – deve ser matéria para reflexão e intervenção política, devendo a revisão do RJIES adotar medidas que protejam o pluralismo de opinião e a liberdade de expressão no seio das nossas instituições do Ensino Superior.

Membro do Conselho Geral da Universidade Nova de Lisboa.

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