Exodus: como financiar uma universidade que se evade

Alunos ao abrigo do Estatuto do Estudante Internacional poderiam pagar 15 a 20 mil euros de propinas anuais por seis anos, cobrindo o custo do seu diploma e até ajudando a financiar os nacionais.

Perguntei a um colega porque não se permitia recrutar alunos estrangeiros para os cursos de Medicina em Portugal. A resposta foi rápida: com o nível de propinas que temos, o custo de um aluno de Medicina em Portugal custa ao Estado cerca de 70 mil euros. Não se pode permitir que um aluno se licencie em Portugal a esse custo para o contribuinte nacional e, sendo estrangeiro, depois vá trabalhar para fora.

O argumento é surpreendentemente frágil. Por um lado, alunos ao abrigo do Estatuto do Estudante Internacional poderiam pagar entre 15 e 20 mil euros de propinas anuais por seis anos, não apenas cobrindo o custo do seu diploma, mas também ajudando a financiar os nacionais. Por outro lado, porque cerca de 40% dos alunos graduados em Portugal acabam por trabalhar no estrangeiro.

Esse número é explicado, naturalmente, pela falta de competitividade do mercado português para reter o melhor talento. Mas esse argumento, necessário para justificar a saída, não é suficiente. Não basta querer sair. É preciso que as nossas competências sejam reconhecidas e que consigamos trabalhar livremente no lugar de novas oportunidades. O que não nos podemos esquecer quando tentamos enquadrar este problema é que vivemos num tempo em que é vigente em pleno o acordo de Bolonha e a abertura de fronteiras no espaço Schengen – duas iniciativas que visaram justamente responder aos dois pontos acima.

Bolonha criou em 1999 um Espaço Europeu de Educação Superior, compatibilizando os diferentes sistemas de ensino, e tornando os diplomas automaticamente reconhecidos nesse espaço. Qualquer graduado num dos mais de 40 países signatários de Bolonha tem o seu diploma reconhecido em outro país do mesmo espaço.

Por outro lado, qualquer cidadão da UE beneficia do direito de livre circulação dentro do espaço comunitário. Isso implica não apenas o direito a viajar, mas também a trabalhar e a viver num outro país da UE. A criação do espaço Schengen em 1985 criou a maior zona de livre circulação do mundo sem necessidade de controlos nas fronteiras, contando atualmente com 27 países (dos quais 23 membros da União Europeia).

As condições suficientes para garantir o sucesso do êxodo são, portanto, Bolonha e a livre circulação, e a questão do financiamento argumentada no início não procede. O Estado português não mais financia talento apenas para Portugal, para uma região do interior do país, ou para uma qualquer área metropolitana. As universidades públicas portuguesas – como, aliás, as de qualquer país comunitário – tornaram-se, de há algum tempo a esta parte, universidades europeias, gerando talento para todo o Espaço Europeu de Educação Superior.

A Lei de Bases do nosso sistema educativo preconiza um regime de acesso ao ensino superior que evite discriminação económica e social. Há que repensar a missão e a realidade destas instituições à luz da sua revelada natureza europeia e do melhor interesse nacional. E então perceber como melhor enquadrar o financiamento das universidades no nosso país.

Opinião pessoal que não reflete necessariamente a posição institucional da Universidade NOVA de Lisboa.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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