O anúncio já vinha sendo feito: o ano de 2023 estava quase a destronar o de 2016 como ano mais quente desde que há registos – faltavam apenas 0,01 graus Celsius. Agora, este ano está já 0,05 graus Celsius mais quente do que o de 2016. Ainda que os cientistas não possam oficializar de imediato que se trata do ano mais quente, não parece haver grande margem para dúvidas.

A temperatura do oceano continua acima da média. O fenómeno climático El Niño está a desenvolver-se. É certo que ainda faltam três meses neste ano que já está a ser mais quente que o normal. "Mas antecipamos que os restantes meses do ano continuem mais quentes que a média", dizem-nos do Serviço de Alterações Climáticas do programa Copérnico (C3S), da União Europeia. Estas condicionantes nada auguram de bom e, findo o ano, 2023 deverá mesmo cristalizar-se como o ano mais quente. Num mundo em aquecimento, não deverá aguentar o troféu por muito tempo.

Têm sido recordes atrás de recordes. O mês passado, Setembro de 2023, foi o Setembro mais quente a nível global desde que há registos, revelou também o Copérnico hoje. A lengalenga prossegue: tivemos o Julho mais quente, o Agosto mais quente. O Verão deste ano foi também o mais quente. A extensão de gelo marinho na Antárctida está em mínimos históricos. O ano hidrológico de 2022/2023 em Portugal continental foi o mais quente desde 1931, quando começaram os registos, anunciou o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) ontem: o valor médio da temperatura máxima do ar foi de 22,51 graus Celsius. Vamos perdendo a conta às inevitáveis expressões do "mais quente".

Como referência nestas comparações são usadas as séries de dados de organismos como o Copérnico ou a NASA, mas também as temperaturas anteriores à Revolução Industrial, quando a actividade humana – sobretudo ligada à queima de combustíveis fósseis e desflorestação – alterou a composição da atmosfera com as suas emissões de gases com efeito de estufa. Isso foi levando ao aquecimento gradual da Terra – o que tem impacto nos ecossistemas vivos e nos sistemas climáticos, fazendo com que certos eventos extremos (como secas, ondas de calor e tempestades) se tornem mais intensos, mais frequentes e mais prolongados. O ano de 2023 está já cerca de 1,4 graus Celsius acima dessas médias de temperatura pré-industriais.

Os cientistas dizem-nos que o planeta só esteve assim tão quente há muitos milhares de anos – e a concentração de dióxido de carbono na atmosfera só esteve num nível similar ao que temos hoje há uns três ou quatro milhões de anos, compara a NASA. "Estamos a viver as alterações climáticas em tempo real", como escrevia em Agosto o jornalista do Azul Nicolau Ferreira, num destaque sobre a crise climática.

Perante estes recordes, o que fazer? "O sentido de urgência para uma acção climática ambiciosa nunca foi tão crítico", reagiu a vice-directora do C3S, Samantha Burgess, ao comunicar os resultados de Setembro. Em Portugal, muitos activistas climáticos têm saído à rua nos últimos dias, alertando para os perigos da crise climática e invocando o futuro saudável que está a ser roubado às gerações mais novas.

São precisas medidas que sejam cumpridas. É preciso que haja medidas de adaptação para a mudança que já está em curso, não correndo atrás do prejuízo. Damos um exemplo: a Aline Flor e o Tiago Bernardo Lopes, jornalistas do Azul, foram em reportagem à procura de abrigos de calor financiados pelo Fundo Ambiental, mas os que encontraram não tinham sido activados este ano. Em contexto urbano, os perigos do calor são ainda maiores.

E há sempre uma réstia de esperança na cimeira climática das Nações Unidas. A COP28 está a chegar – decorrerá de 30 de Novembro a 12 de Dezembro, no Dubai –, num globo em que, apesar dos avisos, se continua a não fazer o suficiente para travar a crise climática e para se estar preparado para os extremos de temperatura que nos começam a bater (ruidosamente) à porta.