Quais são os riscos de lançar no mar águas radioactivas de Fukushima?

Artigo da revista Science mostra que quantidades de radiação previstas nas águas filtradas de Fukushima estão abaixo dos limites de segurança. Nova descarga agendada para esta quinta-feira.

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Embarcação navega perto da zona de descarga da água tratada oriunda da central de Fukushima Reuters/KYODO
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As descargas de águas filtradas da central nuclear Fukushima Daiichi, no Japão, não deverão causar “efeitos substanciais” na saúde humana nem nos ecossistemas do oceano Pacífico, sugere um artigo publicado esta quinta-feira na revista científica Science. A segunda etapa do plano de descargas, que deverá durar três décadas, começou esta quinta-feira.

“As descargas [de águas oriundas da central nuclear] terão um nível de radiação total muito menor para as pessoas e os ecossistemas aquáticos do que a contaminação causada pelo acidente [ocorrido após um tsunami em 2011]. Além disso, os ecossistemas aquáticos, incluindo aqueles em torno do local do desastre [na central ucraniana] de Chernobyl, demonstraram ser notavelmente resistentes à radiação”, refere uma análise elaborada pelos investigadores Jim Smith, Nigel Marks e Tony Irwin.

Num texto de duas páginas, os três cientistas examinam os riscos de despejar no oceano Pacífico 1,34 milhões de toneladas de água radioactiva armazenada em tanques de Fukushima Daiichi. Este volume de água equivale à capacidade total de mais de 500 piscinas olímpicas.

Toda a água dos tanques passa por um tratamento prévio, garantem os técnicos da Tokyo Electric Power (Tepco), a empresa que gere Fukushima Daiichi. Este processo promete ser capaz de remover a maior parte de 30 contaminantes radioactivos, à excepção do trítio, ali presente na forma de água tritiada (HTO).

“Esta molécula (HTO) não pode ser separada das águas residuais devido ao facto de o seu comportamento químico ser semelhante ao da água não radioactiva”, refere o artigo cujo primeiro autor, Jim Smith, é cientista da Universidade de Portsmouth, no Reino Unido.

A exemplo de outros elementos radioactivos, como o carbono 14, que ocorre naturalmente na natureza, o trítio pode afectar os seres vivos ao danificar o material genético contido no núcleo das células.

“A radiotoxicidade do trítio é, contudo, muito baixa se comparada à de outros radionuclídeos”, refere a análise. “Portanto, é uma prática comum das centrais nucleares em todo mundo despejar no mar águas residuais contendo água tritiada”, acrescentam os autores.

Comparação com La Hague

O artigo da Science mostra que as quantidades de radiação prevista nas descargas estão muito abaixo dos limites de segurança radiológicos, sendo mesmo inferiores às existentes no escoamento de águas residuais de instalações nucleares de outros países.

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Sacos com solo contaminado em Futaba, uma das zonas mais atingidas pela radiação após o desastre de 2011 LUSA/FRANCK ROBICHON

“A central nuclear de La Hague, em França, liberta anualmente cerca de 10 000 terabecquerels (TBq) de água tritiada no canal da Mancha. […] Em Fukushima, deverão ser escoados 22 TBq de água tritiada por ano, o que equivale a um factor aproximadamente 450 vezes menor do que o de La Hague por ano”, lê-se na análise.

Um terabecquerel equivale a 10 elevado a 12 becquerels. Um becquerel é uma unidade usada, no sistema internacional, para medir a quantidade de radioactividade.

Em resumo, o artigo frisa que “é clara” a informação científica neste caso de protecção radiológica: as descargas da central nuclear japonesa “não representam uma ameaça real” aos seres vivos “se forem levadas a cabo como o previsto”.

O plano faseado de escoamento destas águas, que são tratadas antes de despejo no Pacífico, foi aprovado tanto pelo Governo japonês como pela agência das Nações Unidas para a energia nuclear.

A primeira descarga decorreu entre 24 de Agosto e 11 de Setembro e consistiu no despejo de 7800 toneladas de água no Pacífico. Muitas outras etapas serão necessárias, ao longo de três décadas, para esvaziar todos os reservatórios de Fukushima.

O artigo reconhece o impacto que os receios de radiação poderão ter nas comunidades piscatórias de Fukushima, que ainda estão a recuperar-se da proibição total da actividade após o desastre nuclear, ocorrido há mais de uma década.

A ainda frágil reputação dos produtos aquáticos japoneses degradou-se após o anúncio do plano de descargas. A China, por exemplo, proibiu a importação destes bens alimentares. E a Rússia poderá fazer o mesmo.

Apesar dos receios sino-russos, o artigo menciona que as quantidades anuais de radiação previstas para os consumidores locais de marisco são de uma magnitude menor do que a exposição à radiação natural, por exemplo, ou mesmo a outras fontes de radiação comuns, como os raios-X usados em exames médicos.

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Sinal alerta para perigo de radiação oriunda de resíduos radioactivos na Ucrânia

“Ecossistemas aquáticos resistentes”

Os autores também estudaram a literatura científica existente acerca do efeito da poluição radioactiva nos ecossistemas marinhos. Estudos realizados em lagos próximos à cidade ucraniana de Chernobyl, onde ocorreu em Abril de 1986 um desastre nuclear, indicam níveis de radiação mais de 1000 vezes superiores às previstas nas descargas de Fukushima. E sugerem que “os ecossistemas aquáticos são surpreendentemente resistentes” a este tipo de poluição.

“Para proteger os ecossistemas marinhos da melhor maneira possível, os recursos e a atenção devem estar centrados nos principais factores de stress, incluindo as alterações climáticas, a sobrepesca e a poluição plástica [e não na radiação]”, escrevem os autores.

No dia 11 de Março de 2011, um terramoto de magnitude 9 na escala de Richter seguido de um tsunami deixaram a costa nordeste do Japão destruída. Estes fenómenos naturais destruíram a central nuclear de Fukushima, deixando três reactores literalmente derretidos. As águas que agora estão a ser despejadas no Pacífico foram então utilizadas para arrefecer os reactores.

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