E se fosse pago por cada quilómetro percorrido de bicicleta para o trabalho? Uma proposta para o OE

Mubi e FPCUB propõem adopção de incentivo no OE. Falta de investimento, estratégias estagnadas e aumento do uso do carro comprometem metas climáticas, avisam associações de mobilidade em bicicleta.

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França, Países Baixos e Bélgica já têm programas de incentivo semelhantes. Nuno Ferreira Santos

O ritmo a que Portugal pedala pode pôr em risco as metas climáticas com que o país se comprometeu. Os resultados dos Censos 2021 relativos à mobilidade confirmaram a crescente utilização do carro como meio de deslocação, mas a Mubi — Associação para a Mobilidade Urbana em Bicicleta e a Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta (FPCUB) acreditam que a tendência pode ser invertida se houver uma aposta clara do Governo.

As duas associações preocupadas com a mobilidade em bicicleta enviaram as suas propostas ao Governo e aos partidos para que o Orçamento do Estado para 2024 preveja o investimento em infra-estrutura ciclável, campanhas de sensibilização e atribuição de incentivos.

Uma das propostas que ambas defendem, lê-se nos documentos consultados pelo PÚBLICO, é a criação de um estímulo financeiro para que a viagem para o local de estudo ou trabalho passe a ser feito de bicicleta. O princípio é simples: se já há um programa de apoio à aquisição de bicicletas através do Fundo Ambiental (que tanto a Mubi como a FPCUB entendem que deve ser continuado, embora com alterações), o Governo deve dar o passo seguinte e implementar um programa que incentive activamente o uso e recompense financeiramente os quilómetros pedalados.

A FPCUB defende que o incentivo ao uso em deslocações pendulares deve ser 24 cêntimos por quilómetro. A Mubi não avança com um valor específico, mas dá o exemplo de várias medidas semelhantes que já são implementadas em França, nos Países Baixos e na Bélgica, com valores que oscilam entre 17 e 27 cêntimos por quilómetro. Fazendo o cálculo, a associação “estima que seriam necessários cerca de seis milhões de euros — o equivalente a dois dias de redução do Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP) — para o primeiro ano de um programa deste tipo em Portugal”.

Embora cada uma das organizações tenha enviado a sua própria lista de 16 reivindicações aos responsáveis políticos, há propostas coincidentes e ambas fazem um diagnóstico semelhante: as estratégias nacionais para a mobilidade activa ciclável (ENMAC) e pedonal (ENMAP) não foram acompanhadas dos recursos necessários e avançam a um ritmo demasiado lento. Por isso, as duas associações defendem que é preciso implementar as estratégias, dotando-as de meios humanos e financeiros.

Também o apoio à criação e expansão dos sistemas de bicicletas partilhadas é tido como importante para normalizar “a imagem da bicicleta como modo de transporte” e “facilitar a sua experimentação”, como escreve a Mubi. A FPCUB defende que os municípios devem ser financiados para implementar estes sistemas, dando prioridade às cidades das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e a cidades com mais de 50 mil habitantes.

A federação defende ainda a integração tarifária dos sistemas de bicicletas partilhadas (sejam públicos ou privados) com os passes de transportes públicos. Por sua vez, a Mubi considera que o passe gratuito para transportes públicos que o Governo anunciou para estudantes até aos 23 anos deve também ser alargado aos sistemas de bicicletas partilhadas.

No entanto, para que aumente o número de pessoas que deixam o carro em casa e passam a pedalar, são necessárias bases estruturais. Uma é cultural e constrói-se com a inclusão da bicicleta em conteúdos escolares e com campanhas de sensibilização. Outra das bases é o ambiente construído. Ciclovias e estacionamento, portanto. Portugal, nota a Mubi, é dos países da Europa “com menor percentagem de extensão de infra-estruturas para bicicletas em relação à extensão da rede rodoviária”.

Esta associação propõe a reactivação do programa Portugal Ciclável 2030, lançado pelo Governo em 2018 com um investimento anunciado de 300 milhões de euros, mas que apenas lançou avisos em 2019 e 2020. “Em cinco anos, foram atribuídos financiamentos no valor de 7,3 milhões de euros”, sublinha a Mubi. De mãos dadas com a ciclovia está a necessidade de criar parques de estacionamento “seguros e confortáveis”, refere a FPCUB.

Há também um elemento ainda muito ausente da paisagem urbana portuguesa que pode ajudar a retirar pressão sobre as cidades: as bicicletas de carga que, se forem organizadas em serviços de micrologística, podem permitir retirar uma percentagem significativa de veículos de mercadorias dos já congestionados centro da cidade.

Nas próximas semanas, Mubi e FPCUB ficarão a saber que espaço têm as suas propostas no Orçamento do Estado para 2024.

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