Governo colombiano pediu desculpas pela execução de civis pelo Exército

Entre 2002 e 2008, mais de seis mil pessoas foram assassinadas por militares e apresentadas como guerrilheiros. Familiares de vítimas dizem que ainda não foi feita justiça.

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As mães das vítimas dos "falsos positivos" pediram justiça na cerimónia em Bogotá Reuters/LUISA GONZALEZ

“Sou mãe de Diego Armando Marín Giraldo, um rapaz assassinado pela Brigada 15 do Norte de Santander.” Foi desta forma que Rubiela Giraldo iniciou o seu testemunho em plena Praça Bolívar, no coração de Bogotá, para pedir justiça pelo filho assassinado. Diego foi um de milhares de civis executados pelo Exército colombiano durante anos, que os apresentava como guerrilheiros abatidos. Pela primeira vez, o Estado colombiano pediu desculpas públicas pela dor causada.

No caminho de preservação da memória histórica e de acerto de contas com o passado sangrento da Colômbia, a cerimónia realizada na noite de terça-feira foi um dos marcos mais significativos. Nunca o Estado colombiano havia feito qualquer tipo de pedido de desculpas pelos chamados “falsos positivos”.

Entre 2002 e 2008, durante a presidência de Álvaro Uribe, o Exército colombiano matou pelo menos 6402 pessoas, apresentados publicamente como guerrilheiros pertencentes às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) ou a outros grupos armados. Investigações posteriores mostraram que, na verdade, os militares forjavam as identificações das vítimas para apresentar uma taxa de sucesso superior no combate às guerrilhas.

“Pedimos perdão por estes crimes que nos envergonham perante o mundo”, declarou o ministro da Defesa, Iván Velásquez. “Os 19 jovens cujas famílias abraçamos hoje com respeito e solidariedade não eram guerrilheiros, não estavam a realizar qualquer acção ilegal, eram homens cujas vidas foram interrompidas pela acção criminal de membros do Exército”, afirmou o ministro.

A execução maciça de civis tornou-se quase numa política regular do Exército. Os alvos eram geralmente homens jovens com origem em meios desfavorecidos que eram atraídos pela promessa de emprego para regiões remotas da Colômbia onde eram executados. Os cadáveres eram vestidos com uniformes idênticos aos que eram usados pelos membros das guerrilhas e eram fotografados ao lado de armas.

Durante anos, a existência dos “falsos positivos” foi um segredo mal guardado pelo Estado colombiano. Inúmeras investigações concluíram que as execuções eram uma prática comum e alguns militares chegaram a responsabilizar os seus superiores pela exigência de que apresentassem números elevados de guerrilheiros mortos para que lhes fossem concedidas promoções.

O pedido de desculpas faz parte do cumprimento de uma sentença judicial emitida em 2015, mas só agora concretizado. O Governo do Presidente Gustavo Petro, que na juventude chegou a pertencer ao M-19, um antigo grupo guerrilheiro, tem tentado dar um novo impulso aos processos de paz com as organizações armadas que durante décadas travaram uma autêntica guerra civil contra as instituições estatais.

Petro fez questão de estar presente no encontro com os familiares das vítimas e discursou no final. “Foi-se confundindo a defesa da pátria com a defesa da ambição. A ocultação foi um processo que evitou o surgimento da democracia e da liberdade”, afirmou o Presidente.

Porém, a responsabilização pública por parte do Estado e do Exército tem sido lenta e está ainda longe de ser suficiente para grande parte da sociedade. Na cerimónia estiveram presentes familiares de 19 vítimas executadas no estado de Norte de Santander, perto da fronteira venezuelana.

Para os familiares presentes, quase todas mães ou irmãs, o acto desta terça-feira não chega para que seja feita justiça pelos crimes cometidos contra si. Quem ali gostariam de ver a pedir-lhes perdão era Uribe ou o ex-Presidente Juan Manuel Santos, que era ministro da Defesa na época dos “falsos positivos” e que em 2016 recebeu o Prémio Nobel da Paz pela assinatura do acordo de paz com as FARC.

“A nossa luta não termina e continuaremos em frente para conseguir encontrar os verdadeiros responsáveis e encontrar quem deu a ordem para cometer estes crimes”, disse Jackelin Castillo, irmã de um dos jovens assassinados.

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