Tribunal de Contas pede mais transparência e cumprimento das regras nas contas da Madeira

Entidade alertou para o elevado nível de dívida pública, sugerindo ao novo executivo regional maior transparência, eficácia e controlo na execução das políticas públicas regionais.

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É a primeira vez que o Tribunal de Contas faz um "caderno de encargos" de transparência para um novo governo regional. Rui Gaudencio

É um caderno de encargos com "contributos para a melhoria da gestão pública e da sustentabilidade das finanças públicas da Região Autónoma da Madeira", mas o que o Tribunal de Contas pede mesmo é que o futuro governo madeirense se comprometa com um cumprimento das regras do regime de contratação pública. Porque, alerta esta entidade, foram detectadas na região autónoma diversas falhas, nomeadamente durante o regime excepcional criado na pandemia.

O pedido consta de um relatório divulgado esta terça-feira pelo Tribunal de contas (TdC) e que pretende ser um contributo para o trabalho do novo governo que irá sair das eleições regionais de domingo. Com a vitória da coligação PSD-CDS mas sem maioria absoluta, já se sabe que a solução de governação passará por um acordo com outro partido, nomeadamente com o PAN, que é com quem Miguel Albuquerque já terá avançado mais com as negociações.

No relatório, o TdC realça que, através das auditorias realizadas e da fiscalização prévia aos contratos adjudicados na RAM, "foram identificadas falhas que importa corrigir", tendo a Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas (SRMTC) recusado a concessão de visto prévio a diversos contratos adjudicados no quadriénio de 2019 a 2023, "com base em ilegalidades ao regime da contratação pública".

Destaca também que o regime extraordinário da contratação pública estabelecido no âmbito do combate à covid-19 "acarretou riscos para a gestão dos dinheiros públicos através do recurso sistemático a procedimentos menos concorrenciais e de falhas na fundamentação para o recurso ao procedimento menos concorrencial e escolha dos respectivos fornecedores".

Falhas passíveis de colocar em risco a "sã e leal concorrência para a prossecução dos interesses públicos", a igualdade de tratamento de todos os operadores económicos e a transparência e a imparcialidade. A que se somam situações de pagamentos adiantados, "aumentando o risco de fornecimentos deficientes", e em que não havia "controlos básicos" para impedir eventuais desvios de bens ou para confirmar a entrega dos bens.

No documento, o TdC volta a recomendar "o cumprimento por parte das entidades adjudicantes das regras da contratação pública, aplicando a disciplina do CCP (Código de Contratação Pública), especificamente quanto à formulação de exigências no caderno de encargos".

Entre outras recomendações, o TdC apela para que sejam realizadas todas as publicitações obrigatórias e o correcto preenchimento no portal dos contratos públicos, além da obrigatoriedade de verificação de inexistência de conflitos de interesses, a promoção de um amplo acesso aos operadores económicos, o cumprimento de critérios fixados no CCP para a adjudicação a entidades e o cumprimento dos limites do prazo de vigência dos contratos, tendo em vista acautelar as regras legais e a salvaguardar o interesse público.

O TdC insta também o futuro governo madeirense a promover uma "adequada gestão dos contratos celebrados" e a garantir "uma efectiva fiscalização da sua execução, nomeadamente das obras adjudicadas em conformidade com os correspondentes projectos".

Alerta ainda que o lançamento de obras públicas deve ser articulado com "efectiva disponibilidade de tesouraria, de molde a serem observados os prazos e os planos de pagamentos contratualizados" e que as aquisições de equipamento informático devem ter autorização prévia do membro do governo regional responsável pela área das Finanças, "quando esteja em causa a assunção de encargos plurianuais, e ao parecer técnico prévio" do organismo competente.

Tribunal sugere mais controlo na execução das políticas públicas

O Tribunal de Contas destaca ainda alguns riscos para a sustentabilidade das contas na Madeira, como o elevado nível de dívida pública, sugerindo ao novo executivo maior transparência, eficácia e controlo na execução das políticas públicas regionais. E pede um "sistema de controlo interno integrado e forte, com grau de autonomia elevado, que permita assegurar o cumprimento e a efectivação das políticas públicas de forma eficaz e transparente".

Embora as contas da região autónoma registem "uma evolução positiva ao longo dos anos", houve situações "que reiteradamente têm sido alvo de recomendações" pela secção regional do tribunal devido aos riscos que representam para as contas públicas madeirenses, numa altura em que está em curso a reforma das finanças públicas regionais e a sua harmonização com a Lei das Finanças das Regiões Autónomas e com a Lei de Enquadramento Orçamental (do Estado).

Apesar da melhoria, "o elevado nível" da dívida pública regional ainda "constitui um risco significativo para a sustentabilidade das finanças públicas". O Tribunal quer que sejam reportadas informações completas sobre "o impacto dos apoios às empresas e às famílias sob a forma de garantias públicas, injecções de capital, empréstimos, aquisições de activos ou assunções de dívida", assim como a ligação entre a execução orçamental do ano, a concretização do Plano de Recuperação e Resiliência e os progressos em termos dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030.

Por outro lado, reforça a necessidade de cumprimento das regras do equilíbrio orçamental previstas na lei de enquadramento do orçamento da RAM e na Lei das Finanças das Regiões Autónomas assim que a sua aplicação deixe de estar suspensa devido aos efeitos da pandemia. E pede a inventariação e a adequada valorização dos bens imóveis da RAM, informação completa sobre o património financeiro e imobiliário, incluindo o do sector público empresarial.

O TdC salienta que em auditorias foram identificados riscos de insustentabilidade de investimentos públicos e falhas nas concessões de serviços públicos.

Falta fiscalização aos apoios da Segurança Social na Madeira

Um mau exemplo é o Instituto de Segurança Social da Madeira, destacando o TdC "a falta de fiabilidade e veracidade das demonstrações financeiras", a que está obrigado, e que "não permitiu aferir de forma adequada" a situação económico-financeira deste instituto entre 2019 e 2021, nem fazer uma correcta fiscalização dos apoios concedidos.

O TdC destacou que a demora dos processos de fiscalização aumenta o risco de incobrabilidade dos créditos no caso das empresas que receberam apoios da Segurança Social madeirense aquando do mecanismo extraordinário para manutenção de postos de trabalho durante a pandemia, mas também alertou que existe um insuficiente controlo nos apoios atribuídos às Instituições Particulares de Segurança Social (IPSS) na região.

A entidade que fiscaliza as contas públicas destacou a adopção pela RAM, em 2020, de um programa de apoio extraordinário à manutenção de contratos de trabalho (lay-off simplificado) em empresas em situação de crise por causa da pandemia, cuja aplicação ficou sob a alçada Instituto de Segurança Social da Madeira (ISSM): entre Março e Julho, foram atribuídos 28,5 milhões de euros em apoios.

No entanto, as acções de fiscalização do ISSM até 17 de Março de 2022 apenas tinham incidido "sobre cerca de 2% das 3027 entidades empregadoras que beneficiaram da medida de lay-off simplificado, envolvendo apoios no montante de 2,3 milhões de euros", descreveu o TdC. Em média, cada processo de fiscalização demorou 625,8 dias.

A entidade lembrou que já recomendou ao ISSM o aperfeiçoamento dos procedimentos de controlo interno e "a articulação entre os serviços envolvidos na fiscalização e a recuperação das prestações indevidamente auferidas pelos beneficiários do lay-off simplificado", para "minimizar os riscos de irrecuperabilidade desses montantes, designadamente através da instauração de procedimentos de cobrança coerciva".

Segundo o TdC, entre 2016 e 2018, o ISSM concedeu apoios financeiros a IPSS e entidades similares que ascenderam a cerca de 65 milhões de euros, destinados, anualmente, a uma média de 64 entidades, que os aplicaram maioritariamente no apoio às pessoas idosas, mas também aqui o sistema de controlo sobre os apoios é "pouco fiável".

É destacado que cerca de 39,7% das instituições subsidiadas pelo ISSM não publicitaram as suas contas com regularidade, como é obrigatório, e continuaram a beneficiar de apoios públicos. O TdC relembrou que a sua secção na Madeira já recomendou ao ISSM que assegure melhorias do controlo de execução dos acordos celebrados para apoios às IPSS, a aprovação de um plano de fiscalização/auditoria proativa e a aplicação criteriosa dos apoios.

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