David vs. Golias: a luta pelo nosso futuro

Quem tem o direito de dizer que “não nos devemos deixar intimidar” somos nós, jovens e estudantes que nascemos em crise climática e cujo presente e futuro está a ser conscientemente destruído.

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“Estas formas de manifestação não resultam”, afirma o ministro do Ambiente em 2023, após o Julho mais quente alguma vez registado, num dia soalheiro de Outono com quase 30ºC de máximas, numa conferência de “green energy” patrocinada pela Galp - que no ano passado conseguiu o seu maior lucro de sempre (881 milhões de euros) graças aos combustíveis fósseis. A situação é tão absurda que coloca em perspectiva a mancha de tinta na camisa do Ministro.

Colocar as coisas em perspectiva é chave. A verdade é que enquanto o mundo arde e a crise climática acelera a passos rápidos, os governos e as instituições continuam a fingir que está tudo bem e que têm tudo sob controlo, passeando-se pelos “green energy summits” patrocinados pelas maiores empresas fósseis para mostrar a miséria à qual chamam “plano de transição justa”.

Enquanto isto, nada muda e tudo mantém o seu curso: a Galp lucra milhões à custa das pessoas, morrem e são desalojadas populações na Líbia pelas cheias catastróficas, nascem crianças sem perspectiva de futuro e os planos mantêm-se insuficientes para conseguir que o mundo corte 50% das suas emissões até 2030 (o limite dado pelo IPCC, órgão da ONU, para ficarmos abaixo dos 1.5ºC de aquecimento).

Na sua reacção à acção das estudantes, Duarte Cordeiro afirmou que “não nos devemos deixar intimidar”, que devemos condenar a “intolerância para calar os outros” e a “forma intrusiva de manifestação, que tenta bloquear aquilo que é a opinião dos outros”. Mais uma vez, colocar as coisas em perspectiva é chave: não me recordo de nenhum membro do Governo ou CEO de empresa ser colocado no banco dos réus pelos seus crimes de destruição do clima, das florestas e do nosso futuro; mas lembro-me perfeitamente da detenção, julgamento e condenação de quatro estudantes que ocupavam pacificamente a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e que reivindicavam o fim ao fóssil.

Quem tem o direito de dizer que “não nos devemos deixar intimidar” somos nós, jovens e estudantes que nascemos em crise climática e cujo presente e futuro está a ser conscientemente destruído pela falta de planos do Governo e pelos lucros recordes das indústrias fósseis, num sistema com uma engrenagem feita para nos engolir para dentro da economia fóssil, da alienação e da dormência.

Nós, que sabemos da crise climática desde os primórdios da escola primária, mas acreditávamos mesmo que alguém – porventura os nossos governos – estava a fazer algo em relação à maior crise que a humanidade alguma vez enfrentou, tão absurda que mais parecia saída de uma fábula para crianças.

Nós, que colocamos a nossa educação em risco para protestar, porque sabemos que se não o fizermos podemos não ter um futuro para sermos médicas, enfermeiras, sociólogas, advogadas, artistas, professoras e muito mais. Nós, que todos estes anos quisemos mesmo acreditar que estava tudo sob controlo, porque esta história era demasiado horrível para ser verdade. Mas é. E, por isso, nós decidimos agir e agarrar o futuro que é nosso – e não, não vamos deixar o Governo calar-nos, muito menos intimidar-nos.

Duarte Cordeiro tenta vilificar as estudantes ao fazer uma suposta distinção entre “estes activistas [que acabaram de me mandar tinta à camisa]” e os “jovens manifestantes, que querem pressionar o Governo a acelerar a transição e que estão preocupados com o seu futuro”. Ora, nós somos esses jovens manifestantes que estão preocupados com o seu futuro.

Nós somos os jovens manifestantes que, em 2019, encheram com milhares de pessoas as avenidas e praças deste país a exigir acção climática; nós somos aqueles que se manifestaram tantas e tantas vezes, que fizeram greve às aulas e que ocuparam as suas escolas e universidades. Mas também sabemos que nós somos aqueles de quem estávamos à espera para colocar um travão nesta crise, fazer a transição justa para as pessoas e para o planeta, e construir uma sociedade onde a justiça climática e social esteja no centro das prioridades. E, por isso, estamos determinados a lutar pelo nosso futuro.

O mais absurdo desta vilificação é que, há poucos dias, Duarte Cordeiro afirmou numa entrevista a jornalistas que “não se revê” na queixa apresentada por seis jovens portugueses que vai colocar 32 Estados no banco dos réus no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos pela falta de acção climática. Portanto, ao mesmo tempo que há uma vilificação de estudantes que estão a aumentar o seu nível de confronto para garantirem um futuro, o Governo também “não se revê” num processo em tribunal.

A conclusão é que o executivo “não se revê” em nada, excepto em lucrar com novos gasodutos e planos de acção miseráveis – que incluem acabar com o gás fóssil daqui a mais de uma década, e a neutralidade carbónica até 2045.

A ciência está do nosso lado, e a História também. Portugal precisa de garantir o fim aos combustíveis fósseis até 2030, sendo um óptimo primeiro passo para isso a electricidade 100% renovável e acessível a todas as famílias até 2025 – tornando este o último Inverno em que usamos gás fóssil no país. Os planos do Governo estão aquém destas metas determinadas pela ciência.

Se, como indicava a descrição da conferência da CNN cujos convidados principais eram os CEOs da EDP e da Galp, “é importante ouvir os especialistas, em nome do desenvolvimento sustentável”, ouçam-nos a nós e à ciência. A partir de 13 de Novembro, com a onda de acção estudantil pelo fim ao fóssil que vai ocupar escolas e interromper a normalidade das instituições, vamos garantir que o fazem – o nosso futuro não é negociável. É David contra Golias mas, no fim, David ganhou.

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