O orçamento de carbono esgota-se já em 2026 para o cenário de 1.5 graus

Se a humanidade “quisesse” limitar o aquecimento global a 1.5 graus Celsius, ao ritmo com que a economia está a queimar combustíveis fósseis, o orçamento de carbono global seria esgotado já em 2026.

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Quanto mais carbono se pode emitir para não se ultrapassar 1.5 ou 2 graus de aquecimento global? A resposta é determinada com uma das obrigações da Suíça considerada na decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos do passado dia 9 de Abril no caso interposto pelas KlimaSeniorinnen - o Orçamento de Carbono. Está em falta na Suíça e está em falta em Portugal, apesar do estabelecido na Lei de Bases do Clima.

O Orçamento de Carbono corresponde à quantidade máxima acumulada de emissões líquidas globais (ou nacionais) de dióxido de carbono antropogénico para um determinado limite de aquecimento global, com uma dada probabilidade. Contabilizando as emissões anuais de dióxido de carbono, o principal gás de efeito estufa, e sabendo a sua concentração na atmosfera, juntamente com o balanço líquido anual de emissões, é fácil determinar quanto nos resta emitir para se alcançar um dado limiar de aquecimento global.

Podem ser elaborados cálculos mais completos e complicados, baseados nos mais sofisticados modelos físico-matemáticos, mas o resultado é basicamente o mesmo. Temos agora disponível um orçamento demasiado curto para podermos continuar no mesmo paradigma económico. Ou limitamos o aquecimento global e “acabamos” com a economia, ou continuamos com a mesma economia de crescimento e “acabamos” com o clima que temos.

Um outro lado do problema é que, grosso modo, o aquecimento pára quando as emissões antropogénicas terminarem, ou seja, o aquecimento global termina quando atingirmos a neutralidade carbónica. Isto explica porque é que a neutralidade carbónica é uma meta tão importante e porque é que tantos países, cidades e empresas estabeleceram a sua meta de neutralidade carbónica até 2050.

Mas se a humanidade “quisesse” limitar o aquecimento global a 1.5 graus Celsius, ao ritmo com que a economia está a queimar as fontes de energia fóssil, petróleo, gás natural e carvão, o orçamento de carbono global disponível seria esgotado já em 2026. Ano em que a concentração média global de dióxido de carbono na atmosfera ultrapassará as 430 partes por milhão (ppm).

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Cálculo do orçamento de carbono em 2020 para 1.5 e 2 graus (de autoria própria). Fonte de dados das reservas: EIA

Em 2020 restavam 215 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono para serem emitidas em termos de orçamento global de carbono (ver Tabela). Mas com o ritmo de emissões globais anuais (ordem de 36 mil milhões de toneladas de origem fóssil mais 6 mil milhões de uso de solo), o mundo poderá a partir de agora, Abril de 2024, emitir apenas 92 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono. Assim sendo, restam pouco mais de 2 anos para que o orçamento de carbono disponível a nível mundial seja consumido na totalidade e se ultrapasse o limiar de aquecimento global de 1.5 graus já no final desta década.

Para se compreender melhor o grande problema que temos de resolver na mitigação do aquecimento global, vejamos alguns números importantes:

  1. 1800 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono: é a quantidade aproximada que a economia mundial terá já emitido desde a revolução industrial, através da queima de combustíveis fósseis. Dessa quantidade, uma parte permanece na atmosfera (cerca de 55%), tendo o restante sido absorvido pelos oceanos, pela vegetação terrestre e pelas rochas, através de processos naturais.
  2. 142 ppm de dióxido de carbono antropogénico adicionado na atmosfera desde a revolução industrial. Este aumento de 51%, face às 280 ppm no início do século XIX, corresponde já a um acumulado actual de 422 ppm.
  3. 1.5 graus de aquecimento global médio: é o que corresponde ao aumento de 50% da concentração de dióxido de carbono para uma sensibilidade climática de 3 graus Celcius por duplicação de carbono na atmosfera. O que significa que, à partida, 422 ppm já causarão 1.5 graus de aquecimento, mas dada a incerteza da sensibilidade climática a probabilidade é superior a 50% apenas com 430 ppm.
  4. 2 anos e 8 meses para atingirmos o limiar de 430 ppm: é o tempo que resta para o limiar de 1.5 graus, dada a concentração actual de dióxido de carbono e o aumento anual de 2.6 ppm. Das cerca de 42 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono emitidas anualmente, cerca de 50% ficam actualmente retidos na atmosfera, correspondendo a um aumento de 2.6 ppm/ano.
  5. 4100 mil milhões de toneladas (540 de petróleo, 479 de gás e 3090 de carvão): esta é o stock aproximado de dióxido de carbono das reservas mundiais de petróleo, gás, e carvão de 2020, de acordo com dados da Administração de Informação de Energia americana (EIA). É 2.3 vezes superior à quantidade emitida desde a revolução industrial.
  6. 290 ppm de dióxido de carbono: é o quanto será adicionado às 415 ppm de 2020, se queimarmos a totalidade das reservas de petróleo, gás e carvão, totalizando no final uma concentração acumulada de 715 ppm.
  7. 4.5 graus Celcius: é o aquecimento global correspondente a 715 ppm de dióxido de carbono acumulado na atmosfera, para uma sensibilidade climática de 3 graus.

E qual é então o Orçamento de Carbono actual para um aquecimento de 1.5 graus? É muito menos do que tem sido anunciado, no máximo apenas 92 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono (215 em 2020) a nível mundial, correspondente a cerca de 2.2% das reservas fósseis (5% em 2020). E para 2 graus, poderemos queimar apenas cerca de 19% das reservas fósseis actuais (22% em 2020), correspondendo a 790 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono em emissões fósseis (917 em 2020).

A principal conclusão desta análise, não é tanto o que poderemos ainda emitir para não ultrapassar 1.5 ou 2.0 graus (tarefa impossível), é que existem mais de 4 biliões de toneladas de dióxido de carbono nas actuais reservas fósseis de petróleo, gás natural e carvão, o suficiente para sobreaquecer o planeta e levar a um colapso civilizacional. De acordo com o último relatório AR6 do IPCC, um aquecimento global de 4.5 graus corresponde à média do cenário mais gravoso, o SSP5_8.5, e as consequências desse aquecimento são mesmo muito graves.

Sabendo que a indústria petrolífera continua a fazer prospecção para aumentar as suas reservas, que muitos países produtores de petróleo estão a aumentar as concessões de exploração (e.g. EUA, Inglaterra, Noruega, países africanos, árabes e sul americanos), e que está a haver uma corrida à prospecção de gás e petróleo no Árctico, então podemos concluir que a economia mundial se prepara para queimar a totalidade das reservas actuais de petróleo e gás natural, e muito mais. Pelo que, a probabilidade de o planeta aquecer mais que 4 graus até finais do século é muito maior do que a maioria acredita.

Como poderemos conseguir tão grande desafio, manter a economia a crescer com apenas 20% das reservas actuais de fontes de energia fóssil para garantir um cenário até 2 graus? E para quê continuar a procurar mais petróleo, se as reservas que temos são mais que suficientes para “esturricar” o clima?

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