A marginalização dos aptos

A marginalização dos aptos é um processo social chave, de anulação de mérito, que gera e perpetua a mediocridade nos grupos, organizações e sociedade em geral.

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Os grupos e organizações são confrontados com a inevitabilidade de lidar com indivíduos inaptos, definidos como incapazes de atingir objetivos institucionalmente esperados. Uma via é a tolerância e proteção dos inaptos (Goode, 1967): o grupo não os afasta, mas utiliza os seus serviços de formas alternativas limitando os danos. Implícito nesta formulação está o pressuposto de que há mais indivíduos aptos do que inaptos no grupo. Neste cenário, a minoria dos inaptos é protegida de forma que o próprio grupo seja protegido dessa minoria.

Mas, e se o problema for invertido, isto é, se a distribuição de aptidão no grupo for enviesada no sentido em que os aptos estão em minoria? Aí o dilema organizacional passa a ser o de como “controlar” os aptos de forma que o membro mediano do grupo (inapto) seja protegido dos mais aptos. Neste cenário, a maioria quer proteger-se da minoria. O resultado é uma patologia sociológica em que o apto é transformado em desviante, em que existe um processo sistemático e subversivo de marginalização dos aptos (Hermanowicz, 2013). Há várias formas de o fazer: intimidação, provocação, difamação, difusão de informações falsas, conluios que consubstanciam forças de bloqueio, entre variadíssimos exemplos.

A marginalização dos aptos é um processo social chave, de anulação de mérito, que gera e perpetua a mediocridade nos grupos, organizações e sociedade em geral. Hermanowicz (2013) explica bem como a mediocridade se cristaliza, como é dependente da trajetória de desenvolvimento do grupo, sendo progressivamente mais difícil induzir mudança de forma exógena ao grupo. Por outras palavras, a cultura da mediocridade enraíza-se como é o que é, como um modo de vida, e resulta na forma como as coisas funcionam no grupo, organização ou sociedade em causa.

Na resistência à sustentabilidade da mediocridade serão relevantes várias dimensões. Destaco duas. Primeira, respeitante ao problema organizacional de distribuição de aptidão. Insere-se aqui a importância do rigor na seleção de novos membros do grupo (exemplos: processos de recrutamento em empresas e universidades, escolha de ministros para uma equipa de governo), evitando que esse processo resulte na criação ou consolidação de uma maioria de inaptos. É igualmente crítico nesta dimensão o desenho e implementação de um sistema de avaliação de desempenho e incentivos assente no mérito, transparente e alinhado com a missão do grupo em causa.

Uma segunda dimensão respeita à necessidade de existirem líderes aptos, independentes da agenda dos inaptos, e disponíveis para resistir aos ataques existenciais destes últimos. De facto, não existe contradição entre inaptidão e poder. Membros inaptos de um grupo podem ser suficientemente hábeis para configurar o sistema em que operam, alimentando a sua base de poder (a maioria de inaptos) e marginalizando os aptos. E nesse círculo vicioso consolidam a cultura local de mediocridade de que dependem.

O tema da marginalização dos aptos afetará grupos de naturezas várias (empresariais, académicas, políticas, etc..), responsabiliza os seus stakeholders, e impacta profundamente a dignidade das nossas vidas em sociedade e o potencial de desenvolvimento do nosso mundo.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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