As flores-cadáver, as maiores do mundo, estão em risco de extinção

São flores que se parecem com o monstro da série Stranger Things, têm cheiro de carne podre e pétalas cor de sangue. A maioria das “extraordinárias” Rafflesia estão ameaçadas, diz estudo.

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Muitos chamam-nas de flor-cadáver, devido ao cheiro de carne podre que estas plantas parasitas exalam Chris Thorogood/DR
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A maioria das espécies de Rafflesia, que produzem as maiores flores do mundo, está em risco de extinção, revela um estudo científico. Muitos chamam-nas de flor-cadáver, devido ao cheiro de carne podre que exalam, e há até quem veja parecenças com o monstro da série Stranger Things. É preciso sorte para encontrá-las nas florestas tropicais do Sudeste Asiático e, se não forem tomadas medidas robustas de conservação, talvez esta tarefa se torne mesmo impossível.

“Se não fizermos nada, parte da nossa flora mais extraordinária desaparecerá – já estamos a caminhar como sonâmbulos nesta situação. O nosso artigo destaca isso, mas também identifica soluções. Identificar o problema é a parte fácil – agir é o verdadeiro desafio”, afirma ao PÚBLICO Chris Thorogood, co-autor do estudo e subdirector do jardim botânico da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

Publicado quarta-feira na revista científica Plants People Planet, o estudo concluiu que, apesar de a maioria das 42 espécies de Rafflesia estarem gravemente em perigo, apenas uma delas figura com este estatuto na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas. A Rafflesia magnifica, endémica das Filipinas, foi avaliada pela última vez em Janeiro de 2008 para esse inventário da União Internacional para a Conservação da Natureza.

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O subdirector do jardim botânico de Oxford, Chris Thorogood, com um indivíduo da espécie Rafflesia arnoldii, considerada a maior flor do mundo Chris Thorogood/DR

“Nas últimas duas décadas, 57% das espécies (24 de 42) do género Rafflesia foram descritas, ao passo em que, no mesmo período, 12% do total de espécies (cinco de 42) em todo o Sudeste Asiático tornaram-se vulneráveis devido à conversão de terras e destruição de habitat. Acreditamos que é altamente provável que várias unidades taxonómicas tenham sido extintas antes de serem conhecidas pela ciência”, lê-se no estudo.

A publicação científica também indica que mais de dois terços (67%) dos habitats destas plantas não estão protegidos, correndo o risco de degradação e desflorestamento. A falta de protecção a nível local, nacional e internacional indica, referem os autores, que as espécies estão, portanto, ameaçadas. E propõem “um plano de acção urgente” para salvar estas flores enigmáticas.

“Um odor pungente de morte”

Estas plantas parasitas coleccionam várias características consideradas fascinantes pelos cientistas e entusiastas da botânica. Não possuem raízes, folhas ou caules. Também dispensam a fotossíntese, ou seja, não conseguem produzir o próprio alimento. Usam filamentos para extrair água e nutrientes de plantas trepadeiras das florestas tropicais.

As espécies de Rafflesia possuem pétalas cor de sangue e apresentam com frequência estruturas internas que mais parecem dentes. E libertam “um odor pungente de morte” – as palavras são do apresentador britânico David Attenborough.

A vantagem evolutiva destas características (incluindo o cheiro nauseabundo) parece ser atrair moscas que depositam ovos e se desenvolvem em carnes em decomposição. Quando percebem que vieram ao engano, os insectos já estão lambuzados com o pólen pegajoso das Rafflesia, o que viabiliza a reprodução destas plantas únicas.

Especialistas já tentaram, sem sucesso, cultivar estas espécies em jardins botânicos. “Elas são virtualmente impossíveis de cultivar a partir de sementes ou fora da sua área de distribuição nativa, o que torna o estudo das espécies um desafio. Estas flores são realmente um enigma”, diz Chris Thorogood.

O subdirector do jardim botânico de Oxford recorda-se de uma caminhada particularmente cansativa, nas Filipinas, para estudar uma espécie rara de Rafflesia. Quando chegaram ao local pretendido, tudo o que encontram foram os botões da planta, que mais parecem repolhos gordos e encarnados.

“Como são parasitas, todas as espécies de Rafflesia não possuem folhas, caules e raízes – por isso os botânicos foram privados de características para classificar as diferentes espécies com precisão. Além disso, as plantas florescem de forma muito errática e imprevisível, e muitas crescem em locais remotos e inacessíveis. Pode ser muito difícil encontrá-las”, observa Chris Thorogood, numa resposta enviada por e-mail.

“Um plano de acção urgente”

Para minimizar os riscos de extinção, os autores do estudo propõem um plano de acção aos decisores políticos e responsáveis na área de investigação e conservação. A vertente considerada mais importante é a protecção dos habitats, mas as soluções também passam pela promoção do ecoturismo sustentável e de mais trabalho científico dedicado às Rafflesia.

“A melhor abordagem para a conservação das Rafflesia é a protecção dos seus habitats naturais. Portanto, antes de mais nada, espero que o nosso artigo deixe claro o risco que estas plantas extraordinárias estão a correr devido à destruição do habitat, para que possamos concentrar os nossos esforços de conservação onde são mais necessários”, afirma o co-autor ao PÚBLICO.

Os cientistas também aventam outras hipóteses de proteger estas flores monstruosas, que podem chegar a ter quase um metro de diâmetro. Uma delas é a criação de grupos de conservação baseados nas redes sociais, ligados à sensibilização, e à propagação ex situ (ou seja, ao cultivo de raflésia com sucesso fora de seu habitat nativo). Os autores sugerem, por exemplo, métodos como o enxerto de trepadeiras infectadas com Rafflesia em vinhas livres destas parasitas.

Outro caminho indicado é a criação de iniciativas de ecoturismo capazes de envolver as comunidades locais na conservação das Rafflesia. Este esforço passa, por exemplo, por facultar financiamento para acções de conservação e formação a guias turísticos nativos.

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Exemplar da espécie Rafflesia bengkuluensis, fotografado em Samatra Chris Thorogood/DR

“Os povos indígenas são alguns dos melhores guardiões das nossas florestas e os programas de conservação das Rafflesia têm muito mais probabilidades de serem bem-sucedidos se envolverem as comunidades locais. As Rafflesia têm potencial para ser um novo ícone de conservação nos trópicos asiáticos”, diz o co-autor Adriane Tobias, investigador da Universidade das Filipinas, citado num comunicado.

Chris Thorogood surpreendeu-se com o enorme comprometimento de grupos locais de conservação em Bengkulu, em Samatra, por exemplo. “A conservação pode por vezes ser um conceito abstracto que está desconectado da realidade – um tema sobre o qual falamos ou escrevemos usando palavras longas e que soam impressionantes, mas que não move uma palha no terreno. Fiquei impressionado durante o meu trabalho de campo com o quanto as comunidades locais já estão a fazer. Agora precisamos de trazer boas práticas aos locais onde elas ainda não existem”, conclui o investigador.

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