Clima: o Reino Unido perdeu a ambição

Na semana da Cimeira da Ambição Climática, o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, reviu em baixa as metas da descarbonização energética

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Ao mesmo tempo que decorria em Nova Iorque a Cimeira da Ambição Climática, o primeiro-ministro do Reino Unido apresentava em Londres um novo plano de metas ambientais revisto em baixa. Sendo o Reino Unido um dos países mais poluentes, a mudança justifica-se pela guerra em curso na Ucrânia, mas muito provavelmente também as sondagens internas devem ter tido algum peso. Resultado: para os Conservadores britânicos, o tempo não é de ambição, mas de cautela. Rishi Sunak diz querer poupar dinheiro aos cidadãos — a ver se ainda salva não o mundo, mas a sua pele.

O Governo do Reino Unido não participou no encontro promovido pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, à margem da reunião da Assembleia Geral, e preferiu munir-se do slogan Long-term decisions for a brighter future” (decisões a longo prazo para um futuro mais luminoso) para que o cenário que se quer verde não parecesse tão cinzento.

Uma das medidas mais emblemáticas para atingir a neutralidade carbónica é adiada de 2030 para 2035 — a meta para que a maioria de carros vendidos sejam eléctricos —, alegando Sunak que não quer sobrecarregar ainda mais as famílias que já enfrentam actualmente muitas dificuldades. A oposição acusa o primeiro-ministro de estar a fazer um discurso populista depois do recente susto em eleições intercalares.

Um dos argumentos que Rishi Sunak utilizou ao anunciar a derrapagem de prazos (para além de proclamações liberais de que o Estado não deve “impor a cada cidadão sete caixotes do lixo para ter em sua casa” ou obrigar “a trocar a caldeira a gás e petróleo por uma bomba de calor”) é que está em linha com o que estão a fazer países como a Alemanha ou a França. Pois, aí tem razão.

Os países fazem inúmeras cimeiras do clima, comprometem-se com metas, assinam tratados e depois, dia após dia, cada um por si só anuncia recuos e abrandamentos porque parecem descobrir, de repente, que as medidas de transição energética também têm custos.

Depois do início da guerra da Ucrânia, a Alemanha, por exemplo, adiou o encerramento das centrais nucleares e pressionou a UE para aceitar veículos com motores de combustão movidos a combustível neutro em CO2 (hidrogénio e dióxido de carbono capturados da atmosfera) para além de 2035.

Quer este tipo de adiamentos (da Alemanha como do Reino Unido) seja provocado por tentações eleitoralistas ou vontade de agradar a determinadas indústrias porque o perigo da recessão espreita (e a China também), o certo é que neste mundo global os países assumiram compromissos em fóruns alargados como a célebre COP26 de Glasgow ou o Acordo de Paris e os recuos — ou usando a expressão eufemística dos políticos, as “actualizações de metas” — devem ser discutidos também entre todos, para que fique claro o que os move e qual o grau de compromisso com a agenda climática. Como dizia António Guterres num discurso suficientemente dramático nesta terça-feira, é bom não esquecer que a crise do clima “abriu as portas do inferno”.

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