A versão Lula-ecologista: salvar a Amazónia, explorando petróleo?

Não é compreensível que num momento de forte alteração climática o governo Lula sustente a exploração de petróleo na Amazónia.

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Em primeiro lugar, uma nota de esclarecimento: estou a escrever esta crónica na Amazónia, onde tenho feito investigação sociológica e antropológica desde 2017.

No Brasil, e particularmente na Amazónia, há hoje um enorme e polémico debate político sobre ecologia versus economia. Ou seja, por um lado, a defesa da preservação da natureza e das populações nativas e, por outro, o projeto económico de exploração de petróleo. O local escolhido fica no estado do Amapá (onde me encontro atualmente, a colaborar com a Universidade Federal), mais precisamente a cerca de 160 km de Oiapoque, fronteira natural com a Guiana Francesa (resquício de um colonialismo tardio).

Nessa discussão, há dois grandes movimentos antagónicos envolvidos, refletindo um intenso jogo de poder:

a) Grupo pela exploração de petróleo na Amazônia: Ministério de Minas e Energia, liderado pelo senador Alexandre Silveira. Petrobras, presidida pelo senador Jean Paul Prates. Vários empresários, com interesse económico na Amazónia. O governador do estado do Amapá, Clécio Luís e o senador Randolfe Rodrigues, líder do governo Lula no Congresso nacional, com quem conversei em Macapá, na manifestação ‘Grito dos Excluídos’, no âmbito das comemorações do Dia da Independência, no dia 7 de setembro. E por último, e o mais importante, o próprio Presidente Lula, que afirmou publicamente que “o estado do Amapá pode continuar sonhando com a exploração de petróleo na foz do Amazonas e que a decisão do Ibama, que barrou a perfuração, não é definitiva” (Globo.com, 3/8/2023).

b) Grupo de defesa da Amazónia: constituído por instituições públicas, representantes da sociedade civil, académicos e investigadores que atuam na região: Ministério do Ambiente e Mudança do Clima, liderado pela renomada e experiente ambientalista Marina Silva; Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis), ligado ao respetivo ministério, liderado por Rodrigo Agostinho, da Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional. Organizações Indígenas da Amazónia Brasileira; Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará; Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque. Várias associações e ONGs –​ SOS-Amazônia, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Fundação Amazônia Sustentável, Greenpeace, entre outros.

Tendo em conta os interesses envolvidos, a discussão tem tido uma forte visibilidade mediática, política e social.

O grupo que defende a exploração de petróleo e gás na Amazónia argumenta que esta atividade, com o pagamento de ‘royalties’, trará benefícios económicos e desenvolvimento social, particularmente para o estado do Amapá. Considerando outras realidades mundiais, como Venezuela, Angola, Nigéria... é difícil acreditar na veracidade deste argumento.

O local assinalado para exploração de petróleo está inserido numa área marítima, sob uma expressiva influência socio-ambiental da gigantesca área da foz do Amazonas. Segundo o Grupo de defesa da Amazónia, essa região apresenta uma significativa e sensível biodiversidade – maior área de manguezal do mundo, espécies em extinção, recifes de corais. Além disso, a exploração poderá afetar as atividades económicas de sobrevivência (pesca, extrativismo e agricultura) de comunidades indígenas (Karipuna, Palikur) e caboclas-ribeirinhas.

Nessa discussão, é relevante destacar a enorme contradição apresentada pelo governo Lula3: por um lado, defende a preservação da Amazónia, com instituições e ações governamentais, e com a busca de recursos externos, reforçando o ‘Fundo Amazônia’ (financiado principalmente pela Alemanha e Noruega), para investimento na conservação da floresta; e, por outro, seguindo uma lógica meramente económica, legitima a exploração de petróleo nessa região.

Não é compreensível que num momento de forte alteração climática, provocada pelo aquecimento global, onde o uso/abuso de combustíveis fósseis tem um papel fundamental no agravamento do problema, o governo Lula3 sustente a exploração de petróleo, justamente na Amazónia, um ecossistema que desempenha um papel primordial no equilíbrio climático e socio-ambiental do planeta.

A ministra do Ambiente Marina Silva e o Ibama, que emitiu o parecer científico não autorizando a exploração de petróleo na Amazónia, estão sob forte pressão política para alterarem a decisão. Considerando os fortes interesses económicos (nacionais e internacionais) envolvidos e o papel das poderosas forças políticas, com o empenho direto do Presidente Lula, não é difícil prever quem sairá vencedor nessa disputa entre economia e ecologia.

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