O futuro da Inteligência Artificial

Portugal enfrenta diversos desafios, como o crescimento económico lento, salários baixos, envelhecimento, desigualdade. O uso da IA em benefício do cidadão poderá ajudar a mitigá-los.

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N’As viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, existe uma sociedade fictícia que vive em ilhas voadoras. Esta estrutura é composta por intelectuais brilhantes, matemáticos e astrónomos, obcecados por teorias abstractas. O seu brilhantismo intelectual contrasta com a sua incapacidade mundana para tarefas simples como atar os sapatos, ou desviar-se de um buraco no chão. Na discussão do futuro da inteligência artificial, observamos um debate onde uns defendem a possibilidade de uma inteligência artificial geral que pode tomar controlo da nossa civilização e outros que julgam que a mesma trará benefícios para os humanos.

Estas disputas retóricas assemelham-se a um “Prós e Contras”, com pioneiros da inteligência artificial a ocuparem posições antagónicas. Geoffrey Hinton e Yoshua Bengio assinaram em maio uma carta publicada pelo Center for AI Safety a solicitar como prioridade global a mitigação do risco de extinção provocado pela IA. Em contrapartida, Yann LeCun desvaloriza estes receios e defende que ao longo da história a sociedade e o bem-estar das pessoas progridem com mais inteligência. Estes três investigadores, conhecidos como os fundadores da IA, foram galardoados com o prémio Turing de 2018. Muitas vezes referido como o “Prémio Nobel da computação”.

Se baixarmos o olhar para desafios menos abstractos, constatamos que a Inteligência Artificial actual, embora não consiga desenvolver raciocínios complexos, já tem imensas aplicabilidades práticas. Através da utilização de técnicas de computação de visão, processamento de linguagem, análise de som, tratamento de dados, é possível a automatização de tarefas repetitivas de baixo valor, personalização e recomendação de serviços, manutenção preditiva de equipamentos críticos, auxílio em diagnósticos médicos. A lista é extensa.

Portugal enfrenta diversos desafios, como o crescimento económico lento, salários baixos (o quarto mais baixo da União Europeia), envelhecimento da população, desigualdade económica. O uso da Inteligência Artificial em benefício do cidadão poderá mitigar parte destes desafios.

Estas possíveis transformações trazem resistência, mas a mudança é inevitável. As carruagens a vapor e depois os automóveis substituíram os cavalos, e desse passado encontramos apenas nomes de ruas. Os videoclubes foram substituídos por serviços de streaming, e todos procuramos experiências com conteúdos personalizados ao nosso estilo. O princípio das revoluções traz algum caos, os condutores de carruagens e os barqueiros perderam o emprego, inicialmente a construção automóvel era desregulada, os travões eram opcionais, mas a longo prazo os benefícios são óbvios.

A Inteligência Artificial também sofre alguns dos desafios de uma nova revolução; ainda não há regulação, embora a União Europeia esteja a dar os primeiros passos, há preocupação em relação ao uso dos dados de forma correcta, mas é já óbvio o valor que pode trazer e, sendo uma revolução digital, pode ser feita mais rapidamente em Portugal para melhorar produtividade, garantir melhores salários e impedir saídas de talento qualificado.

Wayne Gretzky, por muitos considerado o melhor jogador da história do hóquei no gelo, dizia que patinava para onde o disco ia estar, não onde estava. Poderemos encontrar turbulência inesperada no caminho, mas sabendo para onde caminha a inteligência artificial, deveremos actuar a três níveis:

Primeiro, aplicar IA na modernização dos serviços do sector público, desde serviços de atendimento, automatização de processos, análise de dados para detecção de anomalias. Melhorando a qualidade dos serviços prestados aos cidadãos e garantindo transparência e justiça no uso dos dinheiros púbicos.

Segundo, mobilizar a sociedade em geral para o desenvolvimento de produtos e serviços suportados em tecnologias IA e criar boas práticas e normas para que a utilização seja justa e fácil de avaliar. Criar as condições para que em Portugal seja possível disponibilizar soluções de qualidade que garantam o aumento da produtividade e a retenção de massa crítica, que procura desafios de carreira além-fronteiras, por não encontrar os mesmos em Portugal.

Terceiro, requalificar as pessoas que têm profissões à beira da obsolescência para novas profissões. Actualizar o conhecimento das que têm parte das suas tarefas automatizadas. Preparar pessoas para as novas profissões e apoiá-las na transição para diferentes funções. Criar ambientes onde não existam preconceitos em relação a trabalhadores mais idosos. Estes esforços exigem alterações no ensino e nos diversos sectores.

O futuro da IA já chegou. Reconhecer esta realidade é imperativo para aproveitar a tecnologia e melhorar a produtividade e a qualidade de vida em Portugal. Garantindo os benefícios espectáveis, e acautelando, através de legislação, regulamentação e educação, a integridade ética e a salvaguarda dos valores humanos fundamentais. À medida que a inventividade humana possibilita os avanços das máquinas, permitindo ganhar tempo de qualidade, cabe aos humanos manter e aperfeiçoar aquilo que os caracteriza e os distingue.

Marco Vicente – Responsável de Inovação na Axians Portugal

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