“Mas isto agora com a idade, senhor doutor…”
Da próxima vez que pensar “mas isto agora com a idade já não vai lá” faça um rápido exercício de voltar uns anos ou décadas atrás e ver tudo o que mudou no seu estilo de vida.
Para quem dá consultas seja de medicina, seja de nutrição esta frase é dos maiores clássicos e ao mesmo tempo das piores coisas que se podem ouvir. Porque mais do que simbolizar que a pessoa está de facto “velha por fora”, denota que está “velha por dentro” e muitas vezes já desistiu de lutar ou fazer algo para melhorar a sua saúde.
Começando pela vertente mais científica e fisiológica. Com o passar dos anos existem realmente mudanças negativas na nossa composição corporal e metabolismo, ainda que seja diferente ter 50 ou 60 anos em 2023 do que era há 30 ou 40 anos. Mesmo que se assuma como inevitável a perda de massa muscular e massa óssea e o aumento de massa gorda com o passar dos anos (o que é largamente discutível), a magnitude com que estas mudanças acontecem depende inteiramente dos nossos comportamentos (salvo excepções de doença grave numa determinada fase de vida). Se a partir dos 60 anos podemos afirmar que a “diminuição do metabolismo” ocorre a uma velocidade de 0,7% ao ano (inferior à que grande parte das pessoas pensa) e que dos 20 aos 60 anos se mantém praticamente intacto (quando analisados valores ajustados à massa magra, o que pressupõe que se treina para não a perder), facilmente se percebe que, apesar da eterna procura por suplementos e tratamentos anti-aging, os mais eficazes consistem num par de sapatilhas e de halteres.
A narrativa do envelhecimento é muitas vezes construída tendo por base a diminuição do metabolismo e da maior dificuldade em perder peso, esquecendo outros problemas que podem ter um efeito pernicioso na saúde, como maiores dificuldades digestivas em resultado da diminuição da produção de hormonas digestivas e diminuição do paladar e olfacto (acentuadas por alguns fármacos crescentemente usados com o avançar da idade). A junção destas condições a alguma fragilidade económica e à solidão (indivíduos viúvos ou sem filhos/netos em casa que já não estão para cozinhar apenas para si) leva bastantes vezes a uma procura por refeições mais leves e pelo “flagelo” da sopa e/ou fruta como jantar de muitos idosos que com essa carência crónica de proteína durante largo tempo acentuam a perda de massa e força muscular.
Esta faceta do envelhecimento não tão falada é igualmente grave, até porque o risco de mortalidade (em indivíduos acima dos 65 anos) é maior naqueles que possuem peso (e massa muscular) a menos do que naqueles que possuem peso a mais, desde que não seja um “a mais” que já corresponda à obesidade.
Virando a página para outras coisas que acontecem com a idade e são mais difíceis de estarem plasmadas em estudos: a vida e as prioridades mudam. Vai ficando mais confortável em alguns casos e noutros mais comodista. Parecem sinónimos, mas não são. Nos casos em que vai ficando mais confortável do ponto de vista financeiro, os gostos mudam. Já não se fica em qualquer hotel; já não se come em qualquer restaurante; já não se bebe qualquer vinho. E, em muitos casos, também já “não se está para chatear muito” com o exercício que ou é inexistente ou (mesmo que até exista possibilidade para treinar com personal trainer) as calorias despendidas nunca cobrem aquelas que são ingeridas a mais na alimentação.
Para quem não está tão confortável financeiramente os desafios são outros e logicamente mais difíceis. Comer de forma desequilibrada não é de todo um luxo e muitas vezes (fast food, alimentos processados) até é mais barato. Sobretudo quando o plafond financeiro não chega para outros luxos nas viagens, no guarda-roupa e nos restaurantes fine dining, pode chegar para refeições mais baratas e igualmente saborosas, dado que essa comida de conforto é dos prazeres da vida que ainda assim fica mais em conta.
O envelhecimento também torna algumas pessoas cada vez mais azedas, frustradas e especialistas no típico desporto português da “maledicência alheia”. A arte de encontrarmos defeitos em tudo e mais alguma coisa nos outros de forma a sentirmo-nos bem (ou menos mal) com a nossa falta de disciplina e compromisso. As raras pessoas que conseguem envelhecer bem a nível físico são geralmente catalogadas de: “Mas ela também passa a vida no ginásio”; “Mas ela também está sempre em dieta”; “Mas eu se ganhasse o que ele ganha também tinha personal trainer e não estava assim”.
Por isso, da próxima vez que pensar “mas isto agora com a idade já não vai lá” faça um rápido exercício de voltar uns anos ou décadas atrás e ver tudo o que mudou no seu estilo de vida. Desde o número de passos dados para apanhar transportes públicos que foram substituídos por kms percorridos em viatura própria, ao número e tipo de refeições fora de casa que se faziam antes e se fazem agora, ao tipo e abundância de alimentos que não existiam e passaram a existir no frigorífico e despensa. Comer 7000kcal a mais durante 1 ano é pouca coisa (são 20kcal por dia a mais do que precisa), mas é o suficiente para ganhar 1kg de gordura a cada ano que passa.
Nem todos os casos de aumento de peso passam por um descontrolo absoluto onde se aumentam 5-10kg num ano com uma notória diferença no espelho e guarda-roupa. Muitos deles vão-se instalando assim de forma lenta e sem serem demasiadamente notórios na balança uma vez que o sedentarismo também leva a perda de massa muscular. O peso na balança parece igual, mas metabolicamente está muito diferente, com maior flacidez.
Todas as pessoas são livres de envelhecer como quiserem e de “desligarem mais ou menos a ficha” relativamente à sua saúde e qualidade de vida. Podem querer ser “as mais saudáveis do cemitério”, não aproveitando os prazeres da vida para estarem focadas a 200% na saúde; ou as “mais ricas do cemitério”, não cuidando minimamente da saúde em prol da sua profissão. Não podem (e não devem) desresponsabilizar-se e atribuírem ao envelhecimento um papel que pode ser totalmente mitigado por alguns “serviços mínimos” na alimentação e exercício.