Porque precisamos de eólicas offshore? Não há riscos para o ambiente?

Produção de energia eólica no mar é uma das promessas do mix de energias renováveis. Quais são os passos que faltam para Portugal? Conseguimos fazê-lo de forma segura para o ambiente?

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Parque eólico offshore da empresa Orsted, perto de Nystedm na Dinamarca Reuters/TOM LITTLE
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Com o parecer positivo ao plano de afectação para exploração de energias renováveis (PAER) desenhado pela Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos para as futuras áreas de implantação de projectos eólicos no mar, Portugal aproxima-se a passos largos do leilão de licenças para a exploração do potencial eólico marítimo, uma peça essencial do puzzle de energias renováveis que serão precisas para "descarbonizar" a produção de energia e combater as alterações climáticas.

Até 2030, o plano do Governo é instalar 10 gigawatts (GW) de potência. Mas o que falta fazer? O que é que é preciso preparar?

O Azul responde às perguntas mais prementes.

Precisamos de eólicas offshore?

A decisão final será sempre política, mas as recomendações de entidades como a Agência Internacional de Energia indicam que a solução para a descarbonização da produção de energia passará, sim, por encontrar um mix energético distribuído pelas várias opções renováveis - incluindo a potente energia do vento no mar.

Segundo os planos da Comissão Europeia, são necessários entre 230 e 450 GW de eólica offshore até 2050 para contribuir para a transição energética e atingir a neutralidade climática. De acordo com a Wind Europe, associação que representa as empresas do sector, a capacidade eólica offshore na Europa atingiu os 32 GW na segunda metade deste ano. Ou seja, a UE deveria estar a construir em média 11 GW por ano de capacidade eólica no mar até 2030, nota a associação.

Em Portugal, o Governo anunciou a meta de atingir 10 GW de potência instalada na costa até 2030, o que poderá implicar um investimento de aproximadamente 40 mil milhões de euros. Segundo Adelino Costa Matos, da WAM Investments, para as turbinas mais recentes, com cerca de 15 megawatts (MW), seriam precisas 650 fundações (a base e a torre) para conseguir instalar os 10 GW até 2030. Ou seja, seria necessário construir cerca de cem plataformas por ano até 2030.

Onde podemos (ou queremos) instalar?

As zonas a norte são tidas como as que têm maior potencial eólico em Portugal. O grupo de trabalho para as eólicas marítimas propôs que, numa primeira fase, seja disponibilizada uma capacidade até 3,5 gigawatts (GW) em Viana do Castelo, Leixões e Figueira da Foz. Sines e Ericeira-Cascais, outras zonas com grande potencial de exploração, ficarão para uma fase subsequente.

A tecnologia flutuante (para profundidades acima de 40 metros) é que a melhor se adequa às características da costa portuguesa, mas essa não é a única decisão a ser tomada. Além da instalação das turbinas, é preciso planear a infra-estrutura eléctrica em mar e em terra necessária à entrada em exploração destas torres eólicas marítimas, assim como o aumento expectável da procura de electricidade verde para “a produção de hidrogénio e derivados”.

O que falta fazer até começarem a ser instaladas?

O Governo continua a garantir que o primeiro leilão eólico offshore será lançado até ao final deste ano.

Agora que já é conhecido o plano de afectação para exploração de energias renováveis (PAER), o próximo passo é levar este plano a consulta pública, antes da aprovação final. A consulta pública do plano de afectação “será divulgada a curto prazo”, de acordo com o Governo. Segue-se o período de manifestação não vinculativa de interesse.

O primeiro procedimento concorrencial, espera o Governo, deverá ser aberto até ao final de 2023, “iniciando-se com uma fase de pré-qualificação, de duração não inferior a três meses”. Ou seja, mesmo que não haja mais atrasos, os resultados só serão conhecidos em 2024.

Para as empresas interessadas, há uma série de questões que é preciso esclarecer: além da confirmação da área marítima reservada aos parques, os projectos dependem também de como é que a potência vai ser ligada à rede, qual será o modelo contratual de venda da energia no mercado ibérico ou se também haverá, em simultâneo, produção de hidrogénio.

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Turbinas do projecto Windfloat REUTERS/Violeta Santos Moura

Enquanto a indústria apela à simplificação dos processos de licenciamento, as associações ambientalistas exigem rigor na avaliação dos projectos. Parte da solução passará por um trabalho de reforma e também de reforço dos recursos da Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) e da Agência Portuguesa do Ambiente (APA).

Não há riscos para o ambiente?

As áreas pensadas para receber os parques estão a ser alvo de avaliações ambientais estratégicas e só depois poderão ser definitivamente incluídas no novo plano de ordenamento costeiro, a aprovar em Conselho de Ministros. Por outro lado, cada projecto em concreto para os futuros parques eólicos terá de passar por um processo de avaliação de impacte ambiental para a sua localização específica, que ocorrerá durante o respectivo processo de licenciamento.

Em Julho, quando foi publicada a versão final da proposta das áreas para implantação de projectos, preparada pela Direcção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, quatro associações ambientalistas mostraram-se satisfeitas com a exclusão de áreas naturais importantes como Sines e Sintra-Cascais, onde a proposta se sobrepunha a uma área classificada da Rede Natura 2000 , mas pedem "ajustamentos, maior transparência e participação dos cidadãos" neste processo.

Para os próximos passos, será importante garantir que as infra-estruturas tenham o menor impacto possível no conjunto das áreas afectadas isto é, não apenas em mar, mas também em terra, na ligação com a rede energética. Tratando-se de "projectos de infra-estrutura à escala industrial", as ONG alertam para a magnitude dos potenciais impactos ambientais e sociais, sendo preciso "garantir que a transição energética seja feita em benefício da natureza e das pessoas, e não do lucro desmedido".

Apesar de reconhecerem o esforço de ouvir o sector das pescas, não houve quaisquer reuniões com Organizações Não Governamentais de Ambiente, nem para a elaboração do plano de afectação, nem no âmbito da realização das Avaliações Ambientais Estratégicas (AAE) para as áreas oceânicas e em terra um processo, aliás, que as associações Zero, a Associação Natureza Portugal (ANP/WWF), a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) e a Sciaena acusam de estar a ser "opaco".

O que diz quem fica em terra?

Até hoje, o único parque eólico offshore flutuante ao largo da costa portuguesa é o projecto Windfloat Atlantic, liderado pela EDP, com capacidade instalada de 25 MW ao largo de Viana do Castelo. De acordo com António Coimbra, presidente da Associação de Pescadores Ribeirinha de Viana do Castelo, os pescadores não têm conhecimento de nenhuma análise ao efeito do funcionamento das torres eólicas na pesca, mas descrevem que, quando o Windfloat “está activo, tirando o marisco, não há ali nada. Passado uma semana de estar parado, o peixe começa a voltar”.

Para os pescadores, a ocupação do espaço marítimo com estas estruturas, que implica a criação de zonas de exclusão onde é interdita a pesca, significa que as embarcações maiores deixam de poder trabalhar nessas águas, causando uma “sobrelotação” em outras áreas e competição com a pesca artesanal. Também o presidente da Associação de Pescadores Profissionais do rio Minho e Mar (Caminha), Augusto Porto, falou ao PÚBLICO sobre o impacto dos parques nos movimentos migratórios de espécies como o salmão, o sável e a lampreia e os riscos de navegar perto das torres: “Trabalhamos com correntes de água, ventos e nevoeiro, é um perigo”, resume.

Enquanto isso, autarcas da Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria (CIMRL) já exigiram ao Governo que defina indemnizações para compensar o impacto negativo das futuras concessões. Citada pela agência Lusa, a CIMRL sublinha que a “proposta preliminar para implantação de projectos de energias renováveis offshore prevê a concessão” no concelho da Figueira da Foz, distrito de Coimbra, que interfere com a zona costeira dos municípios de Pombal, Leiria e Marinha Grande (Praia da Vieira).

E nos outros países?

De acordo com o mais recente relatório do Global Wind Energy Council (GWEC), o mundo somava uma capacidade eólica offshore global de 64,3 GW no final do ano passado. O continente europeu tinha uma potência instalada de 30 GW no final de 2022, 46% dos quais no Reino Unido. Na União Europeia, a produção eólica offshore está concentrada ainda na Alemanha, Bélgica, Dinamarca e Países Baixos.

A UE, que reunia uma capacidade de cerca de 14,6 GW em 2020, pretende atingir pelo menos 60 GW em 2030 e de 300 GW em 2050, mas as metas podem subir, tendo em conta a actual revisão dos Planos Nacionais de Energia e Clima.

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