O que pensam os jovens sobre a devolução da propina? “Está longe de nos fixar em Portugal”

Dois estudantes do ensino superior dizem ao P3 que devolver a propina não chega para os fixar em Portugal: “A diferença salarial noutros países é tão grande que 697 euros é um bocado irrisório.”

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Estudantes consideram que medidas não são suficientes para desencorajar à emigração Manuel Roberto
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Laura Fernandes ainda não começou a licenciatura em Engenharia Aeroespacial, no Instituto Superior Técnico (IST) — onde ficou colocada no final de Agosto, com uma média de 19,15 — e a possibilidade de emigrar no final do curso já lhe passou pela cabeça. Ainda sem certezas definitivas, confessa que não vê com muito bons olhos um futuro profissional em Portugal.

“Tenho noção que na Engenharia Aeroespacial há fortes perspectivas de ir trabalhar para fora. Até porque em Portugal temos alguns empregadores, mas a progressão na carreira não é imensa, nem as condições de trabalho [são as melhores]”, explicou. A jovem madeirense diz conhecer pessoas que seguiram a mesma área e que “para voltarem a trabalhar em Portugal, fizeram mestrado ou ganharam currículo fora para depois serem reconhecidos cá já com cargos de maior estatuto”.

Em Julho, uma sondagem sobre jovens a viver em Portugal revelou que mais de metade (54%) admite a possibilidade de viver fora. As principais razões citadas vão da instabilidade financeira e laboral à habitação.

Para contrariar esta tendência e incentivar os estudantes do ensino superior a ficar no país, António Costa anunciou esta segunda-feira, na abertura da Academia Socialista, algumas medidas destinadas aos jovens e que irão integrar o Orçamento do Estado entre elas, conta-se a de devolver o valor das propinas a estudantes que fiquem a trabalhar em Portugal.

Por enquanto, ainda se sabe muito pouco sobre como é que essa medida vai ser operacionalizada. O que se sabe é que os estudantes de licenciatura — cujas propinas são de 697 euros anuais — receberiam no final do primeiro ano de trabalho o valor da propina do primeiro ano de faculdade. O mesmo aconteceria no segundo e terceiro anos de trabalho (ou mais, de acordo com a duração do curso). No caso dos estudantes de mestrado, ciclo de estudos em que valores de propina são variáveis, seriam devolvidos 1500 euros anuais, valor fixo.

Para Laura, porém, a medida, apesar de “interessante”, “não ataca o cerne da questão”, já que a remuneração — que segundo dados do IST, para a Engenharia Aeroespacial, ronda os 2366 euros brutos —, não é dos principais motivos para emigrar: “O problema é mais não haver disponibilidade de trabalho na nossa área, em Portugal. É a inexistência de um mercado de trabalho abrangente e [as poucas] possibilidades de progredir na carreira e de conseguirmos ver um futuro seguro em Portugal.”

Tomás Ferreira, estudante do 5.º ano de Medicina, concorda. Para ele, a emigração é uma hipótese bem real em cima da mesa. Em parte porque quer ter a experiência de viver fora e conhecer outros países, mas também para “ter um salário muito maior”.

“A diferença salarial [entre Portugal e outros países na Europa] é tão grande que 697 euros num ano é um bocado irrisório. É uma boa medida, mas está longe de fixar os jovens cá a trabalhar. Tendo em conta que no estrangeiro se pode ganhar, facilmente, no sistema público, três ou quatro vezes mais. Ou mais”, explica.

Passe gratuito melhora a qualidade de vida

No pacote de medidas destinadas aos jovens, o primeiro-ministro anunciou também a gratuitidade de passes sub-23 para todos os estudantes com menos de 23 anos — como já acontece em Lisboa —, a entrega de um cheque-livro a todos os estudantes que completem 18 anos no próximo ano (medida anunciada pelo ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, em Julho, numa entrevista à TSF e ao Jornal de Notícias), uma semana de férias na rede de Pousadas da Juventude e quatro bilhetes de comboio para quem conclua escolaridade obrigatória e ainda alterações no IRS jovem.

Ao longo dos anos em que Tomás viveu em Coimbra, o estudante pagava passe quando vivia mais longe da faculdade, mas depois optou por deixar de o fazer. Agora, com o anúncio da gratuitidade, tenciona voltar. “Uso bastantes vezes o autocarro para me deslocar para a estação de comboio”, detalhou. “É uma boa medida para os estudantes porque grande parte dos estudantes deslocados acaba por usar transportes públicos para se deslocar para as aulas, para apanhar transportes e para ir para casa.”

O caso de Laura, porém, é distinto. Em Lisboa, vai viver em casa dos avós com a irmã, que vai para o 3.º ano de Direito. Como têm carro disponível, fazer passe não era, inicialmente, um plano. No entanto, reconhece que poder adquirir o título de transporte sem pagar — na capital, tal já é possível para menores de 23 desde Setembro de 2022 —, muda a situação. “Há zonas de Lisboa em que o estacionamento é impossível e o acesso é muito complicado. O passe incentiva a descobrir mais a cidade. A qualidade de vida aumenta.”

Ambos os estudantes vêem a atribuição do cheque-livro — cujo valor ainda não foi formalmente anunciado — como uma iniciativa positiva. Laura vê na medida — que considera, ainda assim, “um pouco displicente” — uma oportunidade de “quem nunca entrou numa livraria pensar ‘porque não agora?’”. Tomás tem pena de não poder usufruir dela, uma vez que já passou os 18. “Não é toda a gente que pode comprar os livros que quer”, diz.

Os problemas que ficaram de fora

Para lá das medidas anunciadas, os jovens que o P3 ouviu acham que ainda há muito a fazer. Para Tomás, é na habitação que está “o principal problema”. “As rendas são caríssimas para estudantes deslocados. Vivendo em Coimbra não tenho muito esse problema, mas quem vive em Lisboa e no Porto passa um mau bocado para arranjar um quarto com as mínimas condições e um preço minimamente acessível”, considera.

Enquanto estudante madeirense, Laura Fernandes alerta ainda para um problema que afecta sobretudo estudantes das regiões autónomas: o preço das viagens de avião. “Além do alojamento — que toda a gente procura, quer venham de Coimbra estudar para Lisboa, ou do Algarve estudar para o Porto —, nós temos a distância física e a compra da passagem de avião.

Apesar dos apoios do Governo regional da Madeira, Laura diz que “mesmo assim, para muitas famílias, é um esforço enorme” estudar fora da ilha. “Percebo que não somos a maioria, mas ficamos um pouco de fora do que é a preocupação do Governo [central]”, lamenta.

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