Engenharia Aeroespacial: Gonçalo entrou com a média mais alta no curso que já lançou Leonardo para a NASA

Gonçalo Martins entrou no Instituto Superior Técnico com a média mais alta de Engenharia Aeroespacial. O que pode esperar o jovem da Póvoa de Varzim, no final do curso? No caso de Leonardo Machado, que o acabou em Maio, esperava-o um estágio na NASA.

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Gonçalo Martins, o aluno com a média mais alta do curso com a média mais alta DR

Não é a primeira vez que o curso de Engenharia Aeroespacial do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, destrona Medicina no que respeita às médias. Aconteceu em 2016 e 2017 — em 2018 ficou atrás de Engenharia Física e Tecnológica no Técnico e de Engenharia Civil na Madeira (porque o único aluno que concorreu tinha média de 18,94, catapultando a instituição para o topo do ranking). E voltou a acontecer este ano.

Os números provam o aumento do interesse na área: a média de aeroespacial (que já era alta) tem vindo a aumentar ano após ano, acompanhando o aumento no número de vagas oferecidas. Os alunos que a ele concorrem esperam um curso “exigente” – pelo menos é assim que o descreve Gonçalo Martins, o aluno com a média mais alta a entrar em 2019 — que lhes abra portas no mundo das indústrias automóvel ou aeroespacial (como o próprio nome indica). Foi o que aconteceu a Leonardo Machado, que terminou o curso com mestrado integrado em Maio de 2019 e já está, desde Junho, a viver nos Estados Unidos, com uma bolsa da Fundação para Ciência e Tecnologia (FCT) para um projecto de investigação na Agência Espacial Norte-Americana (NASA).

Foi consciente da complexidade do curso e da média elevada que Gonçalo Martins, prestes a fazer 18 anos, concorreu a Engenharia Aeroespacial. Na folha de candidatura colocou seis opções, todas na área das engenharias: Mecânica, Gestão industrial e Física Tecnológica. Entrou na primeira opção e fez a dobradinha: é o aluno com a média mais alta do curso com a média mais alta do país.

Entrou num curso com média de 18,95 valores — o único curso em aeroespacial em Portugal. Gonçalo teve 19,85 valores de média e foi o primeiro dos 92 alunos que entraram, este ano, no curso.

“Sempre quis tirar boas notas para poder escolher sem restrições o curso que mais gostasse”, diz, durante uma entrevista telefónica ao P3. E o esforço ficou patente nas notas das provas de ingresso: um 20 redondo a Físico-Química e Matemática.

Gonçalo Martins, natural da Póvoa de Varzim, estudou na Escola Secundária Eça de Queirós, uma das melhores do país, segundo o ranking do PÚBLICO/Católica Porto Business School. O nível de exigência é um dos factores que põe esta escola no mapa — e no quarto lugar do ​ranking das escolas públicas (42.º no ranking geral). “Costumo dizer que é um pré-universitário”, comentava o director, José Eduardo Lemos, ao PÚBLICO, em Fevereiro. Gonçalo Martins não confirma nem desmente, por não ter termo de comparação: “Não tenho outra experiência, mas achei que os professores nos conseguiram preparar muito bem para os exames nacionais”, resume.

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O interesse pelas engenharias surgiu quando percebeu que “biologia e geologia não eram bem áreas ou disciplinas de que gostasse”. “Vi logo que gostava mais de física e química, por isso achei que gostaria mais de ingressar numa engenharia”, diz.

Feitos os exames do 11.º ano, começou a investigar as opções com mais afinco. “Já tinha uma ideia e, depois de falar com algumas pessoas, acabei por ficar apenas com dois”: engenharia aeroespacial e mecânica. Escolheu o primeiro por ser “um curso mais multidisciplinar e que se adaptava mais aos meus gostos”. O salário não foi preponderante na escolha, apesar de se imaginar a trabalhar “numa empresa de renome”, que prefere (por enquanto) não nomear.

Tem hobbies comuns à maioria dos jovens da sua idade (“sair com os amigos e ir ao cinema”) e também não tem uma fórmula “milagrosa” para o sucesso: diz que se limitou a prestar atenção às aulas e a praticar os exercícios, com a ajuda de explicadores em algumas disciplinas, como Matemática, Físico-Química e, no último ano, Português.

Mas foi apanhado de surpresa pelas reacções à sua colocação. Por enquanto, ainda está a tentar digeri-las. A mudança para o ensino superior e para Lisboa provocam-lhe “alguns receios”. Não terá de procurar casa, uma vez que vai ficar na residência do Técnico, mas tem consciência que o espera um curso “desafiante”. “Obviamente, tendo em conta a média.”

Altos voos para chegar à NASA

De facto, as notas de entrada deste curso, criado em 1991, sempre foram altas. Em 1992, o PÚBLICO noticiava o “novo curso” oferecido pelo Técnico e escrevia que “notas altas – muito altas – são indispensáveis [para entrar]: por cada aluno que entra no Técnico, há dez candidatos que ficam de fora”. Eram então 40 as vagas para Engenharia Aeroespacial.

As médias deste curso, com saídas para investigação ou consultoria em empresas como a Embraer, TAP ou Rolls-Royce, aumentaram nos últimos anos. De acordo com os dados do site da Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES), a média da 1.ª fase de 2016 foi de 18,53; a de 2017 foi de 18,80, e a de 2018 foi 18,85. Em 2013, quando Leonardo Machado entrou no curso, era 17,6 – e Engenharia Aeroespacial era o 9.º curso com a média de entrada mais alta do país. O primeiro era (ainda) Medicina, na Universidade do Porto. 

Depois de cinco anos de curso, Leonardo, actualmente com 23 anos, trocou Almada por Mountain View, na Califórnia (EUA). Está a fazer um estágio no centro de investigação NASA Ames, com uma das seis bolsas que a FCT atribui anualmente. Em Junho de 2019, com o diploma recém-emitido no bolso, fez as malas e partiu para os EUA.

“O projecto em que estou inserido estuda propulsão de foguetões”, explica, por escrito ao P3. “O tipo de tecnologia que estudamos, propulsão híbrida, é bastante interessante, uma vez que tem o potencial de reduzir os custos de operação e aumentar a segurança no fabrico, armazenamento e transporte de foguetões sem, no entanto, comprometer a performance”. O funcionamento deste tipo de veículo espacial causa fenómenos “extremamente complexos” e Leonardo Machado está inserido num projecto que visa desenvolver “diferentes métodos de avaliação e medição da temperatura do rocket exhaust plume [isto é, os gases de combustão do foguetão, dito de uma forma simplificada]”.

O processo de selecção para este projecto começou vários meses antes. Em Dezembro de 2018, o então estudante de Engenharia Aeroespacial candidatou-se às bolsas que nasceram de um acordo entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, a FCT e a NASA. “Já há alguns anos que acompanhava esta iniciativa e desta vez decidi candidatar-me”, diz. Escreveu uma carta de motivação e montou um currículo – que já contava com algumas experiências profissionais e outras internacionais, como o Erasmus na Universidade Técnica de Munique (Alemanha) e a dissertação de mestrado feita na Universidade de Vitória (Canadá). Meses mais tarde, recebeu o tão esperado “sim” por parte da Agência Espacial Norte-Americana.

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Leonardo Machado DR

Como ele, há seis outros portugueses na NASA com bolsas da FCT. “Apoiamo-nos na integração nesta nova realidade. Entre os outros estagiários somos até conhecidos como ‘o grupo dos portugueses’ porque andamos frequentemente juntos”, brinca Leonardo. Passaram-se apenas alguns meses desde que chegou à Califórnia, mas diz que o período de adaptação “foi bastante fácil” e que, apesar da distância que o separa da família e amigos, se sente apoiado e agradecido pela oportunidade.

O engenheiro aproveita os tempos livres para fazer desporto (essencialmente natação e ginásio), viajar ("a sina portuguesa"), dedicar-se à arte (para “trabalhar um pouco mais o lado direito do cérebro”), passar tempo com a família e amigos e sair à noite. O normal para um jovem da sua idade. 

Quando entrou em Engenharia Aeroespacial, era a indústria automóvel que mais o entusiasmava. Ao longo do curso, no entanto, “o fascínio por aeronaves e veículos espaciais” foi crescendo e isso reflectiu-se depois no caminho que tomou. Quando lhe perguntamos se planeia um futuro nos EUA, Leonardo é peremptório: “Sim, totalmente, vejo-me a continuar na NASA”. “Seria a concretização de um sonho. Considero que estamos a viver um momento absolutamente único na indústria, e talvez histórico na humanidade. Com o novo programa Artemis da NASA, que pretende levar a primeira mulher até ao pólo Sul da Lua, seria sem dúvida um privilégio poder fazer parte desta missão”.

Recordando os cinco anos que passou no Técnico, salienta a exigência do programa, com “uma forte componente nas áreas de física, matemática, electrónica e engenharia em geral”. O curso “correspondeu [às expectativas] na medida em que nos faculta uma base bastante forte e sólida nessas matérias”. “É curioso constatar que algumas das cadeiras que considerava menos importantes durante o curso vieram a verificar-se cruciais para o desempenho de algumas funções que me foram entregues [nas experiências em ambiente profissional que teve].”

Um conselho para os futuros alunos? “Manterem a curiosidade e criatividade, nunca perderem a capacidade de pensar e analisar criticamente, questionarem-se a si próprios e aos outros e, aliado a tudo isto, uma grande força de vontade e de honestidade no trabalho” – algo que é fácil esquecer no meio de testes, projectos, aulas laboratoriais e prazos de entrega apertados. E “não recearem questionar e tentarem aprender ao máximo com todos os alunos, docentes com quem se irão cruzar ao longo destes anos”. “Acredito que todos têm algo único para ensinar e, considero esse conhecimento fulcral no crescimento enquanto profissionais e também como pessoas e cidadãos.”

Notícia actualizada às 20h50 com correcção sobre informação da média de 2018.

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