Homem sequestrado em bebé pela ditadura chilena reencontra família biológica

Jimmy Thyden, de 42 anos, cresceu nos EUA e procurou as suas origens a partir de um exame de DNA e de uma organização de voluntários.

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Imagens de vítimas e de desaparecidos durante a ditadura exibidas em Santiago na passada quarta-feira EPA/Javier Araos
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Em pouco mais de 40 dias, o norte-americano Jimmy Lippert Thyden descobriu algo que desconhecia há mais de 40 anos, por causa de um tipo de crime cometido de forma recorrente pela ditadura de Augusto Pinochet, no Chile: a sua família biológica.

Há uma semana, publicou no seu perfil no Instagram fotografias do momento em que reencontrou a mãe e os irmãos biológicos, na cidade chilena de Valdivia, cerca de 40 anos depois de nascer prematuro, de ter sido retirado de Maria Angélica González e de ter sido dado como morto ainda na maternidade. Thyden conta que, quando a mãe perguntou pelo corpo do filho no hospital, foi informada de que já não o tinham.

“Durante 42 anos vivi neste mundo com documentos do Governo chileno em que se afirmava que eu não tinha familiares vivos”, escreve Thyden na publicação.

Criado por John e Freda Lippert-Thyden em Arlington, no estado norte-americano da Virgínia, é advogado, casado e tem duas filhas.

Thyden descobriu a verdade sobre o seu passado com a ajuda da organização voluntária Nos Buscamos, baseada em Santiago, que ajuda interessados a procurar ligações de parentesco a partir de exames de DNA e que investiga datas, depoimentos e eventuais documentos disponíveis. No site, o grupo diz que, até Maio de 2023, foram concluídas 400 investigações.

“Em menos de 42 dias, com o apoio da minha família, e graças ao trabalho de heróis que dedicam o seu tempo e energia na Nos Buscamos e a um teste de DNA ao domicílio do MyHeritage.com, as mentiras ficaram por aqui”, escreveu Thyden, que também agradeceu a uma reportagem do jornal americano USA Today por contar outra história de um sequestrado, o que o levou a procurar a organização.

A ditadura de Pinochet tomou o poder no Chile através de um golpe, há quase 50 anos, e manteve-o à custa de milhares de assassinatos, sequestros e torturas de opositores políticos e cidadãos comuns até 1990. Entre os vários crimes cometidos está o sequestro e venda de bebés por parte do regime.

Uma investigação encabeçada pelo juiz Mario Carroza desde 2018 mostra que diferentes actores sociais, como líderes religiosos, assistentes sociais, juízes, médicos e enfermeiras eram pagos pelo Estado para actuar como intermediários entre famílias pobres e estrangeiros interessados em ter filhos.

Segundo as investigações, os pais adoptivos pagavam directamente ao Estado chileno e recebiam, em conjunto com a criança, certidões de adopção com declarações falsas de que o bebé tinha sido entregue voluntariamente por famílias pobres ou por prostitutas que não podiam ou não queriam cuidar do filho.

Era comum que as famílias fossem informadas sobre a morte do recém-nascido logo após o parto e que o corpo não podia ter sido resgatado – como ocorreu com a mãe biológica de Thyden – sob o argumento de que era o protocolo do hospital.

Os comentários às fotografias da publicação do advogado e do Nos Buscamos misturam elogios à iniciativa do grupo, congratulações emocionadas pela descoberta e uma série de relatos sobre casos semelhantes e perguntas sobre como realizar o processo de busca.

A organização usa estimativas da polícia chilena, a partir de registos de crianças que deixaram o país e nunca voltaram, para afirmar que cerca de 50 mil bebés foram sequestrados e vendidos pelo Estado.

Exclusivo PÚBLICO/Folha de S. Paulo

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