Viticultores “de coração na mão” sem saber a quem entregarão as uvas, acusa Casa do Douro

A Federação Renovação do Douro / Casa do Douro reclama um “preço justo” para a uva que é comprada aos viticultores e acusa grandes empresas de excluírem produtores a quem costumavam comprar o fruto.

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No Douro, já é normal os viticultores só saberem o preço a que venderão as suas uvas depois da vindima, agora haverá mesmo quem não saiba a quem venderá o fruto de um ano de trabalho LUSA/PEDRO SARMENTO COSTA

A Federação Renovação do Douro, que gere gere a Casa do Douro desde que este organismo foi privatizado, em 2014, reclama um "preço justo" para a uva que é comprada aos viticultores da região e alerta para situações em que grandes empresas estão a excluir produtores a quem costumavam comprar o fruto, em virtude, será o que alegam, de as vendas de vinho do Porto estarem em queda.

Um pouco por toda a região demarcada do Douro já se cortam as uvas, numa vindima antecipada em algumas localidades (à imagem do que se tem verificado, de forma geral, no Portugal vitivinícola, com o Algarve a vindimar desde 17 de Julho) e que é também de "grandes preocupações" para Rui Paredes, o presidente da actual Casa do Douro.

"Hoje em dia estamos todos com o foco na sustentabilidade ambiental, mas mais importante é a sustentabilidade social e económica e isso não está a acontecer", afirmou o responsável, na última sexta-feira, à agência Lusa.

Rui Paredes é mais uma das vozes do Douro a chamar a atenção para aquilo que muitos já sabem (e em que muitos têm quota parte de culpa): o trabalho dos agricultores não "está a ser devidamente remunerado". O responsável defende a necessidade de o sector pagar aos pequenos e médios viticultores "um preço justo para a uva". E exemplifica com o preço da pipa de vinho do Porto (550 litros), que é paga "na ordem dos mil euros", o mesmo valor de "há dez ou 15 anos".

O responsável lembra que está a ser desenvolvido um estudo para apurar qual é o "preço justo" para "remunerar condignamente as uvas" nesta região de montanha muito heterogénea, à semelhança do que já acontece em Espanha. "Era importante criarmos alguma regra para a região", defende.

Este é um problema que ganha dimensão num ano em que se verifica uma diminuição de 12 mil pipas no benefício, ou seja, na quantidade de mosto que cada produtor pode transformar em vinho do Porto e que é uma importante fonte de rendimento, em que foi necessário efectuar vários tratamentos na vinha para conseguir trazer a uva à vindima, em que os preços dos produtos estão muito elevados, bem como dos combustíveis, e em que há cada vez menos mão-de-obra e, consequentemente, é também cada vez mais cara.

No Douro, acresce que os viticultores vendem a "uva sem preço", ou seja, entregam o fruto ao operador e só depois é que sabem quanto vão receber. "Às vezes são preços miseráveis, mas já não podem fazer nada", refere o responsável.

Para colmatar esta questão, a Federação propõe o "contrato de vindima", que seria celebrado entre quem vende e quem compra, com conhecimento ao Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP). Nesse contrato, explica, ficaria definido o preço a que as uvas seriam compradas.

Viticultores de "coração na mão"

As previsões apontam para um aumento de produção no Douro na ordem dos 10%, segundo dados da Associação para o Desenvolvimento da Viticultora Duriense (ADVID), sendo que, entre Janeiro e Maio deste ano, registou-se uma quebra nas vendas de vinho do Porto de 8,8% em volume de negócios.

Ora, Rui Paredes diz estar preocupado com o mercado de vinho do Porto e com o facto de as quebras nas vendas do fortificado poderem estar também a "servir de pretexto" para situações de empresas que estão a excluir viticultores a quem costumavam comprar as uvas.

Reforça o responsável que há informações de "vários operadores que não compraram mesmo", que "rejeitaram" produtores e, em consequência, alertou para agricultores que "estão com o coração na mão porque, neste momento, não sabem onde vão vender as uvas" que são o resultado de um ano inteiro de trabalho na vinha.

Ao mesmo tempo, estão a acontecer na região "negócios de milhões de euros", o que, na sua opinião, "quer dizer que a actividade é lucrativa".

Rui Paredes considera que, no Douro, o sector "nem é justo, nem é solidário", e lembra que há, actualmente, 18 mil viticultores na região. "Somos cada vez menos", apontou, reclamando, por fim, mais fiscalização para prevenir "situações menos claras" e dissuadir a "entrada de uvas de fora" da região demarcada.

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