Prémios Pulitzer de literatura e artes deverão abrir-se a não-americanos

Conselho directivo deixará cair em Outubro regra que impede quem não tem cidadania norte-americana de receber estes galardões. Até aqui, tal só era possível nas categorias de História e de Jornalismo.

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Os Prémios Pulitzer foram instituídos em 1917 DR
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Os Prémios Pulitzer, cujo nome se deve a Joseph Pulitzer, um imigrante da Hungria que se fixou nos Estados Unidos em 1864, foram instituídos em 1917 para distinguir os feitos das letras norte-americanas, numa época em que a Europa era vista como culturalmente dominante.

Estes prémios que distinguem escritores e artistas obedeciam até aqui a um requisito inflexível: as obras premiadas deviam ser assinadas por "autores americanos", que o Pulitzer define como cidadãos dos Estados Unidos. As excepções a esta regra são o prémio de História, aberto a quaisquer livros sobre o país, e os prémios de Jornalismo, que podem distinguir pessoas de qualquer nacionalidade.

Mas é possível que essas restrições mudem em breve. O conselho de directores dos Pulitzer vai eliminar a regra da cidadania no seu próximo encontro, em meados de Outubro, diz Marjorie Miller, administradora com o pelouro dos prémios. "Há definitivamente consenso em torno da ideia de que a cidadania é uma definição muito restritiva de americanidade", explica.

Embora editoras e escritores tenham levantado a questão no passado, sublinha esta administradora, alguns eventos recentes influenciaram a decisão de colocar o debate sobre a cidadania em cima da mesa. Os jurados do prémio de melhor livro de memórias ou autobiografia, atribuído este ano pela primeira vez (foi distinguida a obra Stay True, de Hua Hsu), notaram que no decurso das suas deliberações para chegar à lista de três finalistas o requisito se revelou demasiado restritivo. Marjorie Miller citou também uma carta aberta publicada na plataforma LitHub em Agosto, apelando ao reconhecimento pelos Pulitzer da literatura produzida por autores que não possuem cidadania norte-americana.

Ingrid Rojas Contreras, cujo livro de memórias The Man Who Could Move Clouds foi finalista do Pulitzer, declarou ter escrito a carta após ter tomado conhecimento da regra da cidadania num artigo de opinião publicado pelo poeta Javier Zamora no Los Angeles Times. "Depois de ler o texto do Javier, pensei nos muitos livros que amo e que foram escritos por autores indocumentados, imaginei todos os livros ainda por vir, e doeu-me que esses livros não tivessem sido e não possam vir a ser considerados para o prémio", disse numa entrevista por email.

"Estou mais do que 100% certa de que a imigração é um dos maiores tópicos deste século", argumenta Zamora, apontando para a óbvia preferência de algumas categorias dos Pulitzer por obras que dizem respeito à "vida americana". "Sou um cidadão deslocado devido à política americana no meu país. E por isso agora que estou aqui e escrevo em inglês acho que nesta fase já sei mais palavras inglesas do que espanholas , vocês continuam a agarrar-se a uma certidão de nascimento, ou a um título de cidadania, a que eu só poderei habilitar-me daqui a um ano? Não faz sentido."<_o3a_p>

O escritor e tradutor Francisco Cantú, um dos signatários da carta aberta, afirma mesmo: "Na verdade, penso que quase se poderia usar o argumento inverso: o de que para realmente compreender a América tens de compreender o que significa estar do outro lado da linha da cidadania. Ter de lutar pelo reconhecimento, ser-te sistematicamente negada essa americanidade, é uma parte importante da América e do que significa ser americano."<_o3a_p>

Os Pulitzer sucedem assim a um rol de instituições que recentemente se viram obrigadas a lidar com a necessidade de alterar a definição de "literatura nacional". O Prémio Booker, originalmente instituído como a resposta britânica ao Prémio Goncourt francês, abriu-se a americanos em 2014, suscitando oposição imediata, e o receio de que pudesse perder a sua personalidade. Os apelos ao regresso da matriz original persistem desde então, especialmente porque, em alguns dos últimos anos, os autores americanos chegaram a arrebatar metade das nomeações da longlist.<_o3a_p>

Entretanto, nos Estados Unidos, a Academia de Poetas Americanos e a Poetry Foundation expandiram em 2015 os critérios de elegibilidade dos seus prémios, de modo a incluírem imigrantes com visto temporário, na sequência de uma petição do grupo Undocupoets. E os National Book Awards abandonaram o seu velho requisito que exigia a cidadania norte-americana em 2018, abrindo o concurso a cidadãos comprovadamente radicados nos Estados Unidos há pelo menos uma década e que se consideram "imigrantes americanos activamente empenhados na obtenção da nacionalidade" ou "legalmente impossibilitados de seguir os trâmites tradicionais para a cidadania".

Nesse mesmo ano, o Prémio PEN/Faulkner Award deixou cair o requisito de cidadania e abriu-se a todos os titulares de residência permanente nos Estados Unidos.

O conselho directivo dos Pulitzer está a analisar estes e outros prémios para definir os seus novos padrões de autoria americana.

"Aquilo que estamos agora a fazer é a tentar encontrar a linguagem que queremos usar para definir [esse conceito]", diz Marjorie Miller. "Encontraremos uma linguagem nova, que esperemos que funcione; e se não funcionar voltaremos a mudá-la." Certo é que a instituição quer que o Pulitzer "continue a ser um prémio americano" o que, no caso dos livros, significa que terão de ser "publicados em inglês e nos Estados Unidos".

Jose Antonio Vargas, fundador do grupo Define American e cuja assinatura na carta aberta refere o Pulitzer que ganhou enquanto membro da equipa do jornal Washington Post que cobriu o massacre na Virginia Tech em 2007 , comenta: "Acho que a decisão de mudar essa política, se assim o entenderem, terá consequências tremendas, não só a nível nacional como também a nível local." O reconhecimento institucional é importante em si mesmo: "Para mim, esse é inequivocamente o primeiro passo. Cada organização tem agora de analisar: 'Por que é que os nossos critérios são estes, mesmo?'"

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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