Pokémon quando jovem, alcoolizada em adulta: eis a borboleta-do-medronheiro

A borboleta-do-medronheiro pode ser observada em várias regiões do país, principalmente no litoral. Este insecto tem dois ciclos de vida ao longo do ano. Os adultos podem ser observados em Setembro.

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Uma Charaxes jasius pousada nos medronhos Albano Soares
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Estamos a meio do Verão e a lagarta da borboleta-do-medronheiro (Charaxes jasius) deverá estar em amplo crescimento ou já em franca metamorfose, sob a forma de pupa, nas folhas de medronheiros. Em Setembro, a versão adulta e voadora daquela espécie sairá dos casulos e poderá ser observada em várias regiões do país. Esta é a maior borboleta diurna europeia: as fêmeas podem atingir os nove centímetros de envergadura. E as asas são um chamariz: grandes e recortadas, com padrões e cores especiais.

“Para as nossas borboletas europeias, a borboleta-do-medronheiro é um bocado incomum. Tem origem africana e um padrão mais tropical”, explica ao PÚBLICO Eva Monteiro, bióloga e especialista em borboletas e insectos do Tagis — Centro de Conservação das Borboletas de Portugal, com sede em Avis, no distrito de Portalegre.

“A maior parte das espécies deste género existe na África tropical. A borboleta-do-medronheiro estende-se um bocadinho mais para norte, mas só está presente nos países no Sul da Europa e no Norte de África. É uma espécie procurada pelos observadores de borboletas do Norte da Europa”, realça a bióloga.

A lagarta, com uma cabeça que faz lembrar um Pokémon, alimenta-se das folhas do medronheiro Albano Soares
Um indivíduo adulto da espécie Charaxes jasius Renata Santos
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A lagarta, com uma cabeça que faz lembrar um Pokémon, alimenta-se das folhas do medronheiro Albano Soares

A borboleta-do-medronheiro pode ser encontrada de sul a norte de Portugal continental, onde há medronheiros (Arbutus unedo). Mas, mais frequentemente, existe no litoral do país: desde as serras de Monchique e do Caldeirão, no Algarve, passando pela serra da Arrábida, em Setúbal, pela Arriba Fóssil da Costa da Caparica e pelo Parque da Paz, em Almada, na serra de Sintra e no Parque Florestal de Monsanto, junto de Lisboa, no Parque Municipal de Cabeço de Montachique, em Loures, até mais a norte, em Couce, Valongo, e no Parque Ecológico Urbano de Viana do Castelo.

As borboletas adultas “são territoriais, os machos guardam territórios nas copas das árvores e ficam à espera das fêmeas. Fazem hilltopping, sobem aos altos de colinas e andam nesses locais a patrulhar essas áreas, as fêmeas estão lá e acasalam”, conta Eva Monteiro. “É possível ver-se a fazerem hilltopping em Monsanto, no Parque do Calhau. Há um moinho abandonado, já vi várias vezes as borboletas-do-medronheiro aí”, recorda.

Geração curta e geração longa

Ao longo do ano, esta espécie tem duas gerações. Mas é na altura do calor que as borboletas podem ser observadas. A primeira geração de adultos surge em Junho e vive cerca de três semanas, o tempo de as borboletas se reproduzirem e das fêmeas colocarem os ovos nas folhas dos abrunheiros. Entre sete e dez dias depois, a lagarta sai do ovo. “A geração de Junho tem uma fase de lagarta mais curta, em dois meses completa o seu ciclo de vida”, diz Eva Monteiro. Ou seja, a lagarta atravessa vários estádios até crescer o suficiente para se agarrar a um galho de um medronheiro, enrolar-se e desenvolver a pupa (ou crisálida). Em Setembro, após a metamorfose se completar, a borboleta liberta-se do casulo.

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A crisálida da borboleta-do-medronheiro Albano Soares

“A segunda geração tem mais indivíduos. Onde ocorrem, serão mais abundantes e mais fáceis de observar”, avança a especialista. “É particularmente visível em locais altos.” O ciclo recomeça, as borboletas reproduzem-se e põem ovos. Mas as lagartas que eclodem no Outono atravessam um período de hibernação no Inverno e só voltam a estar activas na Primavera, para darem origem à primeira geração adulta do ano seguinte.

As lagartas são verdes e particulares. “Estão completamente mimetizadas com as folhas e a cabeça tem uma espécie de capacete com quatro corninhos que parece um Pokémon, é muito engraçada”, descreve a bióloga. Nesta fase, o insecto só se alimenta das folhas de medronheiro. Quando elas eclodem do ovo, fazem uma espécie de cama de seda numa folha, onde dormem, e alimentam-se das folhas à volta.

Os animais adultos são menos exclusivos. Podem alimentar-se de medronhos e de sucos de outras espécies de árvores. Também jantam fezes, animais mortos e até lama, para irem buscar sais minerais, adianta Eva Monteiro. As borboletas usam a espirotromba para sugar os alimentos. Aquela estrutura bucal está enrolada quando a borboleta não está a alimentar-se e desenrola-se para sugar o néctar e outros sucos.

Quando os medronhos estão mais maduros, em Setembro, e com uma maior percentagem de álcool, as borboletas-do-medronheiro podem ficar intoxicadas. “Às vezes ficam bêbadas com o álcool. É comum vermos as borboletas quase deitadas junto ao chão. É uma característica que as pessoas acham engraçada”, aponta Eva Monteiro. “Não deve ser lá muito saudável. Ficam mais susceptíveis aos predadores. Podemos até pegar-lhes com a mão”, diz. Mas os medronhos são ricos em açúcar e essa é uma vantagem alimentar, recorda a bióloga.

De qualquer forma, quem pegar numa destas borboletas poderá ver de perto as características das asas. Por cima, a cor é escura e há uma margem laranja, que é característica e ajuda os observadores a reconhecerem a espécie. Quando estão a voar, “como são bastante grandes e escuras, podem parecer um passarinho pequeno”, refere a especialista. Mas, por baixo, observa-se um padrão listado, chamativo, com várias cores.

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Um ovo da espécie Charaxes jasius Albano Soares

“É uma espécie emblemática, pela sua natureza incomum”, considera Eva Monteiro. Ao contrário de outras espécies, a borboleta-do-medronheiro não está em perigo, encontra-se facilmente. Por isso, para quem quiser observar a Charaxes jasius, basta aproveitar o campo, os medronheiros e os dias de Setembro. “Até pousa na mão das pessoas. Se estivermos suados e pusermos a mão, acontece às vezes pousarem e tentarem libar o suor.”

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