Entidade Reguladora da Saúde avalia publicidade de clínica privada de cetamina

Publicidade em cinemas ou redes sociais da The Clinic of Change que promete “tratamentos de curta duração com efeitos para a vida” está a ser analisada. Clínica abriu em Julho, em Lisboa.

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O tratamento com cetamina tem tido mais investigação e aplicação clínica nos últimos anos GETTY IMAGES
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A The Clinic of Change, clínica privada aberta em Julho e que promete tratamentos inovadores com cetamina, está a ser alvo de uma avaliação da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), devido à promoção publicitária dos seus tratamentos. A ERS adiantou ao Expresso que está a “promover as diligências tidas por necessárias para a análise cabal dos factos em apreço, à luz do regime jurídico das práticas publicitárias em saúde”, nomeadamente o cumprimento do “rigor científico da informação publicitada”.

Os tratamentos com cetamina nesta clínica privada têm como alvo uma série de doenças, desde a depressão às perturbações alimentares ou dependências de álcool ou jogo, por exemplo. A publicidade a estas terapias está presente nos cinemas portugueses, nas redes sociais ou no próprio site da clínica, com a frase “tratamentos de curta duração com efeitos para a vida” em claro destaque – algo que pode estar em conflito com o princípio de que se devem evitar todas as referências que possam induzir em erro os utentes.

A clínica, que nasce de um protocolo com a empresa britânica de biotecnologia Awakn Life Sciences, garante que “não faz publicidade a medicamentos, divulgando apenas um serviço de intervenção em saúde mental, que é uma combinação entre psicoterapia e a administração de um medicamento”, responde ao Expresso, garantindo que os materiais produzidos para publicitar o tratamento respeitam a regulamentação portuguesa e europeia.

Apesar disso, a referência à cetamina, um anestésico que aplicado em pequenas doses pode actuar como psicadélico, está presente em boa parte das promoções feitas pela The Clinic of Change aos tratamentos. A autorização da sua comercialização e utilização pertence ao Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde), que refere ao PÚBLICO que “a utilização de medicamentos off-label [ou seja, fora da sua função regulada, neste caso como anestésico] é da responsabilidade do médico prescritor, que entende que um dado medicamento se adequa a uma dada indicação terapêutica, face ao caso particular de um seu doente”.

Ao PÚBLICO, a ERS confirma a investigação, adiantando, no entanto, que a “licença de funcionamento” para estes tratamentos não está “associada a qualquer autorização ou certificação da ERS para a utilização” da cetamina. Numa das promoções em vídeo, a The Clinic of Change menciona que é a “primeira clínica privada em Portugal de psicoterapia assistida por cetamina licenciada pela ERS e também pelo Infarmed”, apesar de a utilização de cetamina não ser da responsabilidade de nenhuma das duas entidades.

O regime jurídico das práticas de publicidade proíbe as práticas de publicidade em saúde que induzam os utentes em erro, como por exemplo a indicação de tratamentos sem respaldo científico – o que estará a ser avaliado pela ERS.

Celia Morgan, cientista da Universidade de Exeter (Reino Unido) e uma das consultoras clínicas da Awakn Life Sciences, referia em entrevista ao PÚBLICO, no início de Julho, que são necessários mais estudos para validar a psicoterapia assistida por cetamina e que este ainda não é um tratamento de primeira linha. “Talvez possa existir espaço para ser um tratamento prioritário no futuro, mas este pacote de tratamento ainda é relativamente novo”, afirmava. A investigadora notava, ainda assim, que antes do tratamento há uma “avaliação médica completa, avaliação psiquiátrica, e aí avalia-se se a pessoa está apta ou não para o tratamento”.

Já em Junho, um artigo científico publicado, na revista Nature Medicine por especialistas da Ordem dos Médicos, da Ordem dos Psicólogos, da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental e do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, alertava para a falta de regulamentação dos psicadélicos em Portugal, referindo que a inexistência de um enquadramento para a aplicação destes psicadélicos, sobretudo fora dos contextos de investigação científica, cria um espaço em branco na regulamentação. Os psicólogos, psiquiatras e cientistas que assinam esse comentário pedem maior fiscalização e procedimentos mais claros, como a criação de um consentimento informado que proteja os utentes.

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