Vai uma bola de Alvarinho, Avesso, Loureiro ou Vinhão?

Não seria interessante que nas regiões vitícolas se criassem sorvetes de vinhos ou de mostos das castas autóctones? A região dos Verdes já deu o pontapé de saída.

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António Vieira criou quatro gelados de vinho verde, um deles a partir de vinho da casta Vinhão Nelson Garrido
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Na vindima passada, o Esporão e a Adegamãe, por sugestão do sommelier Rodolfo Tristão, ofereciam nas suas unidades de enoturismo sumos de uva de cada uma das castas com que fazem vinhos. Nas últimas semanas, e ainda antes do arranque das vindimas, a Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (CVRVV) tem vindo a promover sorvetes feitos a partir de uvas de diferentes castas da região dos vinhos Verdes: Loureiro, Avesso, Alvarinho e Vinhão. E ou muito nos enganamos ou está para aparecer outro conceito de sorvete na região dos Verdes, este que poderá ser consumido por adultos e crianças.

Rodolfo Tristão fez a proposta dos sumos aos dois produtores acima referidos depois de ter visitado produtores de vinho no Brasil, país que, apesar de contar muito pouco no mundo do vinho, não pede licença a ninguém em matéria de enoturismo. Por cá, os produtores só querem dar a provar os seus vinhos, mas os brasileiros dão os vinhos que fazem e, em simultâneo, os sumos (ou sucos) das mesmas castas. E isso não deixa ninguém indiferente. No Esporão, por exemplo, António Roquete, responsável da unidade de enoturismo, pensava que quem se interessaria pela experiência seriam jovens e crianças, que poderiam beber sumos de uva sem álcool, mas o caso foi outro: “Para quem não bebe álcool, existe de facto interesse, mas são os adultos que querem perceber a que cheira o sumo de Touriga Nacional, de Arinto ou de Aragonês”, referiu ao Terroir.

Quer no caso dos sumos, quer no caso dos sorvetes das castas dos Vinhos Verdes (são sorvetes porque não se adicionam as natas que iriam camuflar os sabores primários de cada casta), o que está em causa é apresentar a diferentes públicos a riqueza das castas portuguesas, de forma simples e lúdica — qual é o apreciador de Alvarinho que recusa um sorvete da mesma casta?

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O chef António Vieira comprou a empresa Wine On Ice em 2019 e tornou-se também "geladeiro" Nelson Garrido

Os sorvetes das quatro castas dos Vinhos Verdes podem ser apreciados aos fins-de-semana em diferentes iniciativas que ocorrem no jardim da sede da CVRVV, no Porto, e resultam de um desafio que Dora Simões lançou ao chef António Vieira, que, apesar de ser uma referência no Porto e arredores nas áreas mais salgadas, se atirou recentemente ao negócio dos gelados e sorvetes. “Eu já tinha experiência na feitura de sorvetes com vinho do Porto, borras de vinho do Porto, de Vinhos Verdes e outras bebidas alcoólicas, destiladas, mas como acabei por comprar em 2019 a empresa Wine On Ice, com quem já colaborava, agora, sou também um geladeiro”, diz-nos António Vieira.

Hoje, o negócio foi reestruturado. A empresa-mãe no universo dos gelados chama-se Coordenada Glaciar, que se divide entre as marcas Wine On Ice (para sorvetes com álcool) e Secreti (segredos em italiano), para gelados ou sorvetes clássicos e feitos a pedido dos clientes, como, por exemplo, o gelado de cenoura para acompanhar uma terrina de cozido à portuguesa no restaurante do Monverde Wine Experience Hotel, em Amarante.

A ideia do kit de sorvetes de Vinho Verde resultou de uma conversa informal com Dora Simões durante um jantar da Confraria das Tripas (instituição muito séria do Porto). António começou a falar das suas experiências na matéria e a presidente da CVR, que detecta a léguas uma boa ideia, lançou-lhe o desafio para uma colecção de sorvetes de diferentes castas dos Verdes para as iniciativas da CVRVV. Cereja em cima do bolo, as bolas de sorvete são servidas em pequenos recipientes de loiça que imitam a clássica malga de servir o Vinhão.

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A ideia dos sorvetes de Vinho Verde resultou de uma conversa informal entre o chef António Vieira e a presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, Dora Simões Nelson Garrido
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Os sorvetes de Vinho Verde são servidos em mini malgas, a imitar aquelas em que tradicionalmente se serve o Vinhão no Minho Nelson Garrido

Frescos e leves, os sorvetes têm intensidades de aromas e sabores bem diferenciados. Assim, o de Loureiro, que até é uma casta bem aromática, é o menos expressivo dos sorvetes. Foi preciso deixar subir a temperatura para sentirmos algumas notas cítricas, que rapidamente desapareceram.

O sorvete de Avesso é mais envolvente e aveludado, realçando algumas notas de fruta branca, em particular a pêra, sendo que a permanência do sabor era bem maior do que o sorvete de Loureiro, eventualmente por razões de acidez.

Não é por ser a grande casta portuguesa, mas, de facto, o sorvete de Alvarinho sabia àqueles Alvarinhos que vão pelo lado dos citrinos (toranja). Se era algo muito expressivo? Não, não era, mas comeu-se com vontade e só não pedimos mais porque vinha aí aquele que, só de imaginar, iria destronar os sorvetes iniciais.

De facto, o sorvete de Vinhão é um campeão por razões cromáticas e de sabor. Os tons arroxeados contra o fundo branco das pequenas malgas encantam e, depois, é intenso de sabores, variando estes entre os mirtilos, as ameixas, as películas de uvas e o engaço. Sim, um sabor bem mais forte, mas domado pelos diferentes açúcares que um sorvete sempre exige.

Comidos individualmente, os sorvetes cumprem a sua função; acompanhados com outros ingredientes no final de uma refeição, melhor ainda. Mas, acima de tudo, são uma outra forma de chamar a atenção de adultos que não estão familiarizados com as castas dos Vinhos Verdes ou um desafio lúdico para enófilos que gostam de adivinhar as castas às cegas.

Por enquanto estamos a falar de sorvetes a partir de vinhos, mas, à semelhança do que Rui Pascoalinho faz em Santarém com a casta Fernão Pires, acreditamos que António Vieira e a CVR dos Verdes vão querer experimentar sorvetes feitos a partir de mostos antes de estes iniciarem a fermentação, coisa que abriria o leque de consumidores por causa da ausência de álcool. Eis a novidade que se aguarda.

Agora que pensamos nisso, não seria interessante que em diferentes regiões vitícolas nacionais se desencadeasse um processo de criação de sorvetes a partir dos vinhos das castas locais e/ou de mostos, com cada geladaria a mostrar o que vale? Não seria interessante que, daqui por um ou dois anos, se organizasse um concurso ou uma festa de sorvetes de vinhos e de mostos das castas nacionais?

Plantam-se vinhas para fazer vinho, é certo, mas os parentes dos produtores não cairão na lama se criarem novos produtos a partir das suas uvas. Sorvetes, sumos, compotas, geleias, agraço (sumo de uvas verdes), bases para recheio de queijos ou soluções para a área cosmética. Notável designer gráfico e também cineasta, Saul Bass (1920-1996), à pergunta de onde lhe vinham as ideias, costumava responder assim: “De olhar para uma coisa e ver outra.” Acreditem que funciona.

Os sorvetes de Vinho Verde podem ser provados na sede CVR dos Vinhos Verdes (Palacete Silva Monteiro, na Rua da Restauração, 318, Porto). Custam entre os 3 os 5 euros.

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