A arquitectura e os adjectivos da “insubstituível” vila de Cacela Velha

Foi criado um “guião de uma viagem à pequena vila” de Cacela Velha. À Soleira do Infinito - arquitectura e paisagem no lugar de Cacela-a-Velha é uma reflexão.

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O forte de Cacela Velha À Soleira do Infinito
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A ria À Soleira do Infinito
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Panorama À Soleira do Infinito
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Vista aérea À Soleira do Infinito
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À Soleira do Infinito não é um guia de viagens, mas antes um "guião de uma viagem à pequena vila" de Cacela Velha, de frente para a ria Formosa e o mar, o encanto e a pacatez deste Sotavento Algarvio, as ruas curvas e soalheiras, os recantos abrigados e os largos comunicantes, uma profunda hospitalidade — "familiar, coloquial" — e, sobretudo, a relação da vila com o infinito e as memórias, as casas abandonadas, os barcos "mortos" na praia, o cemitério. "Uma narrativa de encontro com o espírito do lugar — que não é mais do que aquele carácter pessoal e específico que torna a vila um lugar insubstituível (isto é, ao mesmo tempo único e necessário)", comentam os autores desta edição bilingue, Pedro Marques Abreu, Ana Sofia Guerra, Catarina Mascarenhas e Frederico Vicente.

À Soleira do Infinito - arquitectura e paisagem no lugar de Cacela-a-Velha tem por objectivo "realizar uma reflexão fenomenológica" sobre a vila de Cacela Velha, importante testemunho histórico e cultural inserido num território sobranceiro ao mar, um lugar "único e insubstituível" graças ao desenho urbano do núcleo histórico, ao "amplo enquadramento sul do horizonte e da serra a norte, o mar azul e intenso ou ainda a ria Formosa, que dilui os limites entre a terra dos homens e um horizonte metafísico, como uma ponte fenomenológica, cujo baixar da maré põe a descoberto".

A vila, escrevem os autores, "partilha de dois mundos: uma interioridade e hospitalidade, gerada pelo carácter familiar e aconchegante da ruralidade, e uma dimensão bélica, cunhada pela presença da muralha e da fortaleza".

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Seguimos em frente e à esquerda por aquela rua enclausurada através do aglomerado de Cacela, que "escolhe comunicar a sua relação com o infinito pela constituição de múltiplos centros, recantos abrigados, largos que se abrem sucessivamente noutros, e dos quais só furtivamente e tangencialmente se vislumbra o mar". "A riqueza de Cacela decorre pois, em grande parte, desses largos comunicantes entre si, que se abrem timidamente para o exterior — para Nascente, para Poente, para Sul —, através de espessas paredes, sem que nunca aconteça uma exposição total ao horizonte, como se se visse o mar só através das estreitas seteiras de um castelo, em pequenos ângulos".

A edição também é uma espécie de guia, sem assumidamente o ser, de sensações e emoções, dos detalhes do casario, "pequeno e modesto, disposto numa planta como que desenhada à mão levantada, numa sinuosidade simultaneamente solidária com o terreno e feminil", de movimentos que todos já lá fizemos de uma forma mais ou menos espontânea ("de andar, deter-se, usufruir o abraço do espaço envolvente e pasmar diante do horizonte que se abre pelas frestas urbanas") até alcançarmos invariavelmente o mar, "sempre o mesmo, mas sempre diferente".

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Entre páginas, umas linhas de Sophia de Mello Breyner no poema A conquista de Cacela: "As praças-fortes foram conquistadas/ Por seu poder e foram sitiadas/ As cidades do mar pela riqueza/ Porém Cacela/Foi desejada só pela beleza." Acrescentam os autores: "Não devemos encarar a afirmação da beleza de Cacela que Sophia de Mello Breyner faz, como algo meramente estético. A beleza afirma um conteúdo existencial profundo na medida em que diz o diferente-de-mim – e por isso capaz de causar espanto –, mas com uma concreta promessa de para-mim – e por isso capaz de suscitar comoção: movimento existencial. A beleza é portanto condição para a vida humana; sem ela o homem não se consegue abrir ao desconhecido."

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"Qualquer intervenção arquitectónica a realizar em Cacela não deverá perder de vista esta sua personalidade específica", conclui-se. "E as intervenções concretas deverão defender as características pelas quais perpassa essa especificidade". O branco da cal, a intercomunicabilidade dos largos, a pequena escala, a simplicidade da arquitectura e o carácter inconspícuo do desenho.

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