Chegámos ao Dia da Sobrecarga da Terra: mais uma dívida com o planeta

A partir de 2 de Agosto de 2023, e até ao fim do ano, é como se vivêssemos de um cartão de crédito dos recursos naturais. Ganharíamos tempo com medidas como reduzir a nossa pegada de carbono.

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Atingimos nesta quarta-feira o ponto em que a necessidade que a humanidade tem de consumir recursos e serviços ambientais ultrapassa a capacidade do planeta para regenerar esses recursos erhui1979
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Em 2023, calha a 2 de Agosto o Dia da Sobrecarga da Terra, ou seja, aquele em que a necessidade da humanidade de consumir recursos e serviços ambientais ultrapassa a capacidade do planeta para regenerar esses recursos. A partir daqui, e até ao fim do ano, é como se estivéssemos a viver do cartão de crédito ambiental, usando recursos naturais que só deveriam ser consumidos no próximo ano, em 2024.

Todos os anos, aumenta a nossa dívida para com o planeta, o que, com os valores actuais, quer dizer que precisaríamos de ter mais uma Terra para satisfazer a forma como consumimos recursos naturais. Mas nem todos os países do planeta consomem recursos da mesma maneira. Portugal atingiu o Dia da Sobrecarga da Terra a 7 de Maio. O Qatar foi logo a 10 de Fevereiro e o Luxemburgo a 14 de Fevereiro.

É preciso recuar bastante, até 1973, para ter um dia da Sobrecarga da Terra atingido só no final do ano, neste caso, a 3 de Dezembro. Mas nos últimos cinco anos, a tendência tem sido de estagnação, sublinha a organização ambientalista Zero. Apenas em 2020, devido à pandemia de covid-19, houve um grande avanço: o Dia da Sobrecarga da Terra foi atingido a 22 de Agosto, quase um mês mais tarde do que no ano anterior, quando o planeta entrou em défice ecológico a 29 de Julho.

“É possível que esta tendência se deva aos esforços de descarbonização e a um conjunto de políticas que visam promover o respeito pelos limites do planeta, muito embora possa também estar a ser influenciada por alguma desaceleração económica nos últimos anos”, diz a Zero, em comunicado.

Mas estamos longe de alcançar o objectivo de redução das emissões de dióxido de carbono em 43% até 2030 (tendo como ponto de partida 2019), o que seria necessário para limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius, nos cálculos apresentados pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPPC) no seu último relatório, em Outubro de 2022.

A partir de 1,5 graus julga-se que começam a fazer-se sentir os maiores impactos das alterações climáticas, como secas maiores e mais frequentes, ondas de calores e chuvadas intensas. O passado mês de Julho dá-nos o sinal claro do perigo.

Para reduzir as emissões de carbono em 43% até 2030, diz a Zero, teremos de acrescentar 19 dias em cada um dos próximos sete anos” ao Dia da Sobrecarga da Terra, contabiliza a Zero. A humanidade tem de acelerar o passo para reduzir o impacto que as suas actividades e necessidades têm sobre o planeta, diz a organização ambientalista.

Mas não estamos condenados a seguir por um caminho negativo. “Se reduzirmos a nossa pegada de carbono em 50%, só começaremos a usar o nosso cartão de crédito ambiental 93 dias mais tarde (início de Novembro)”, sublinha a Zero.

Um exemplo da via que podemos seguir: “De acordo com a iniciativa #MoveTheDate do Dia da Sobrecarga do Planeta, mudanças como ter fontes renováveis a alimentar 75% das necessidades mundiais de electricidade podem reduzir em 26 dias o nosso uso do cartão de crédito ambiental”, salienta a Zero.

Contas refeitas para nosso prejuízo

Em 2022, o Dia da Sobrecarga da Terra calhou a 28 de Julho. Ganharmos cinco dias de um ano para o outro seria incrível e, de facto, só um dia foi efectivamente ganho. Quatro destes cinco dias devem-se a uma correcção das estatísticas, em resultado de novos métodos de cálculo, diz um comunicado da organização Global Footprint Network, que todos os anos divulga estes números.

O Dia da Sobrecarga da Terra é calculado com estatísticas de agências das Nações Unidas e por vezes de outras entidades, para os tornar mais actuais. Mas estes dados estão disponíveis com um atraso de quatro anos, por isso os números para 2023 são na verdade relativos a 2019, explica um relatório no site desta iniciativa.

Lançado em 2006, o Dia da Sobrecarga da Terra faz uma estimativa anual do dia em que os recursos usados pela humanidade ultrapassam a capacidade regenerativa da Terra. Para isso, divide-se a quantidade de recursos naturais que a Terra consegue providenciar num ano (biocapacidade do planeta) pela procura de recursos durante um ano (pegada ecológica), tendo em consideração os 365 dias de cada ano.

Quando a pegada ecológica é maior do que a biocapacidade, atinge-se a sobrecarga e entra-se em défice ambiental – começa-se a usar o cartão de crédito ambiental porque se esgotou o dinheiro que temos na conta.

A biocapacidade dos países ou da Terra é a capacidade regenerativa do planeta para assimilar o dióxido de carbono, para repor os stocks de peixes, para que voltem a crescer florestas e para recuperar o solo explorado pela agricultura, por exemplo. A pegada ecológica leva em conta as emissões de gases com efeito de estufa, os alimentos produzidos e retirados do ambiente, o espaço ocupado pela construção e a floresta que vai sendo deitada abaixo.

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Se reduzirmos a nossa pegada ligada à mobilidade em 50%, usarmos mais transporte público e andarmos a pé ou de bicicleta, activaremos o cartão de crédito ambiental até 13 dias mais tarde Thomas Peter/REUTERS

Há várias formas de ir atrasando o Dia de Sobrecarga da Terra, um processo que é influenciado por quatro factores: a quantidade do que consumimos, a eficiência com que são produzidos os produtos, quantos somos, e quanto é que os ecossistemas naturais conseguem produzir, explica um comunicado da campanha Earth Overshoot Day.

A Zero avança algumas formas de agir sobre esses factores.

Pensar mais na comida que ingerimos pode ajudar a travar o desperdício alimentar, por exemplo: pode contribuir adiar em 13 dias a entrada em défice ambiental. Se reduzirmos o consumo de carne para metade do habitual, e substituirmos essas calorias por uma alimentação vegetariana, sugere a organização ambientalista, essa data limite chegaria 17 dias depois. E dez desses dias resultariam de emissões de metano relacionadas com a pecuária que foram evitadas.

Intervenções que diminuam as nossas emissões de gases com efeito de estufa podem ter um grande impacto. “Se reduzirmos a nossa pegada ligada à mobilidade em 50% e se assumirmos que um terço dos quilómetros são substituídos por transporte público e os restantes pela bicicleta e andar a pé, accionaremos o cartão de crédito ambiental 13 dias depois (na segunda semana de Agosto)”, sugere a Zero.

“É preciso alterar o paradigma de desenvolvimento no sentido de promover uma economia do bem-estar”, diz a organização ambientalista. Qualidade de vida respeitando os limites do planeta.

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