SEDES defende obrigação de conservação de metadados por seis meses

PS e PSD chegaram a um consenso para que metadados sejam guardados por três ou seis meses, consoante a autorização do cidadão. Mas polícias queriam mais.

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As empresas de telecomunicações já guardam alguns dados para efeito de facturação. Rui Gaudencio

O Observatório da Justiça da SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social) recomenda que se consagre a obrigação de conservação de metadados por seis meses, devendo o seu acesso ser autorizado por um juiz.

"A nossa recomendação é que se estabeleça um prazo de seis meses para a conservação de dados. Este prazo não é, nem mais nem menos, que o prazo que as operadoras de telecomunicações utilizam para efeitos de facturação dos clientes", destacou o juiz jubilado Santos Cabral e antigo director nacional da Polícia Judiciária (PJ).

O PS e o PSD chegaram a acordo há duas semanas para uma solução intermédia que prevê que os metadados (dados de tráfego e localização) das comunicações de todos os clientes possam ser conservados durante três meses para efeitos de "investigação, detecção e repressão de crimes graves" e que, para os que não se opuserem expressamente, os dados possam ser guardados por mais três meses – o que dará um total de seis meses, metade do calendário anterior, que era de 12 meses.

Em declarações à agência Lusa, o antigo magistrado explicou que esta é uma das recomendações que constam de um policy paper sobre metadados, um documento que elaborou com Euclides Dâmaso, antigo procurador-geral de Coimbra, no seguimento de uma conferência-debate sobre a matéria, que decorreu no início de Julho, em Coimbra.

"Não tem lógica, ser permitido às operadoras de telecomunicações guardarem dados para efeito de facturação e tal não ser permitido para efeito de investigação", indicou. Segundo Santos Cabral, este acesso deveria ser admissível no âmbito de "investigação criminal por crimes graves", uma vez que "hoje em dia, a investigação criminal, em cerca de 80% dos casos, começa pela própria integração dos endereços de IP, dados de identificação em termos electrónicos de eventuais suspeitos".

"Queremos evitar o profiling e, por isso, a autorização para aceder a estes dados deve feita por um juiz, quando estão em causa crimes de uma certa dimensão", sustentou.

No seu entender, este é "um acesso a dados sobre outros dados", que permitem a identificação, descrição e localização de informação, "não estando em causa dados de conteúdo" e que entram no foro da privacidade. "O acesso a estes dados não é só para responsabilizar criminalmente, mas até para demonstrar que um sujeito, acusado de um crime, na verdade, não estava naquele local, naquele momento, podendo tal vir a inocentar o arguido que foi erradamente invocado", referiu.

Segundo o policy paper, o acesso a esses dados deve ser limitado à prevenção ou investigação de crimes graves de um catálogo aproximado ao da Lei 32/2008 (da qual o Tribunal Constitucional considerou inconstitucionais diversas normas), incluindo a localização geográfica dos autores ou vítimas desses crimes. "Deve ser prevista a obrigação de as autoridades judiciárias comunicarem o acesso ao titular de dados, quando não haja já prejuízo para a prevenção ou investigação criminal", acrescenta.

À Lusa, o antigo director nacional da PJ alertou ainda que há, desde Abril do ano passado, "muitas situações graves que têm escapado, com o arquivamento de processos, porque existe um vazio legal". "Várias dezenas de processos, desde homicídios, fogos postos, até pornografia infantil - são vários os casos em que se verificou o arquivamento do processo. A existência de uma lei sobre metadados é essencial para a investigação", concluiu.

Em Abril de 2022, o Tribunal Constitucional (TC) declarou inconstitucionais normas da chamada lei dos metadados, que regula o acesso e período de conservação destes dados para fins de investigação criminal.

Os metadados são dados de contexto que, sem revelarem o conteúdo das comunicações, permitem aferir, por exemplo, quem fez uma chamada, de que sítio, com que destinatário e durante quanto tempo - acontecendo o mesmo com as ligações de internet.

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