Os pastéis de massa tenra da avó Nazareth lembram as tardes sem pressa

Quando vinha da escola, Inês Beja gostava de ficar com a avó a comer sopas de café e a fazer longos cozinhados. Hoje, os pastéis são estrelas no DeRaiz.

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Os pastéis de massa tenra e a receita da avó Nazareth Adriano Miranda
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Era o momento de que Inês mais gostava: voltar da escola, chegar a casa, e ficar, com a avó Nazareth, a fazer doce de abrunho, de abóbora ou pastéis de massa tenra. Tudo coisas que demoravam, mas era precisamente nisso que residia grande parte do prazer. “O que eu gostava era do tempo que passava com ela.”

Faziam os doces, batiam e estendiam a massa para os pastéis, e a tarde passava – sempre com um intervalo para um lanchinho de sopas de café com pão, com um bom café de saco, filtrado, onde Inês ia molhando os pedaços de pão. Curiosa, observava tudo o que a avó fazia e tinha até um caderninho onde ia tomando notas.

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Inês e a avó dr

Quando, ao lado de Nuno Fonte, Inês Beja abriu o DeRaiz, em Rebordinho, junto a Viseu, as memórias dessas tardes com a avó, quando ela tinha uns 12 ou 13 anos, foram a grande inspiração para o restaurante. “Eu disse ao Nun: ‘Uma coisa que temos de ter são os pastéis da minha avó.’ E ele disse: ‘Os ovos verdes da minha também são espectaculares.’”

A casa de granito, lareira e tecto de madeira guarda não só o livro de receitas da avó Nazareth, mas é nela que as próprias receitas – a começar pelos pastéis e pelos ovos verdes da avó de Nuno – ganham vida pelas mãos do casal. O espaço é maior, mas o espírito é o mesmo da casa da avó, hoje com 91 anos. “Aos almoços vinham 14 pessoas e a minha avó cozinhava para todos”, recorda Inês.

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Inês Beja e Nuno Fontes no seu restaurante DeRaiz Adriano Miranda

As crianças, vindas da escola, eram as primeiras a chegar, depois “os pais e os tios que trabalham ali perto” e, por fim, os outros, à medida que se iam despachando. Era numa “cozinha minúscula” que Nazareth fazia comida para todos. E a neta ficava a ajudar. “Somos muito parecidas de feitio, e nem era preciso ela pedir-me, eu punha a mesa, lavava as alfaces.” E o gosto pela cozinha ia crescendo.

“Os pastéis eram um aproveitamento da carne”, explica. “Quando havia carne estufada, a minha avó fazia a mais para no dia a seguir fazer os pastéis. Mas como a carne não era assim tanta, deitava-se sempre uma chouriça picada.” Um dos segredos dos deliciosos pastéis é a massa, “mais estaladiça do que o habitual, porque leva banha, manteiga e um bocadinho de azeite”. Ainda hoje, quando os primos se reúnem em Mangualde, é obrigatório ter pastéis na mesa. “Desaparecem num instante.”

Inês estudou Artes Visuais, mas, terminado o 12.º ano, pensou que gostaria de seguir cozinha e acabou por optar pela licenciatura em Restauração e Catering na Escola Superior de Turismo e Hotelaria de Seia (Guarda), o que a levou, mais tarde, ao Mesa de Lemos, do chef Diogo Rocha (hoje com uma estrela Michelin), onde conheceu o Nuno.

O fine dining foi uma experiência muito importante para ambos, mas a memória dos pastéis de massa tenra e dos ovos verdes acabou por vencer. A massa deve ser feita à mão, aconselha Inês, recordando que no início, no restaurante, usaram uma máquina para a bater e foi demasiado. “Se for à mão, é difícil amassar de mais. Fica homogénea e com alguma elasticidade.” De resto, “se seguirem a receita, não dá para errar”.

Com a ajuda de uma prima que trata das redes sociais do DeRaiz, fez um vídeo no qual os gestos atravessam o tempo: de um lado, as mãos da avó a amassar sobre uma mesa enfarinhada, do outro as mãos de Inês a repetirem o gesto, e os pastéis a nascer, ontem como hoje, iguais. No final, avó e neta unem-se na mesma imagem e Inês entrega a Nazareth um dos seus pastéis.

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