Em prol de um projeto para a investigação em saúde em Portugal

O regime financeiro do estatuto do SNS que não contempla a investigação. Tolera-a. Também não encontramos nos dez objetivos da atual direção do SNS uma única palavra para a investigação.

Quando falamos em investigação em saúde, estamos a referir-nos à produção de conhecimento baseado no método científico e que dá origem ao desenvolvimento de diagnósticos mais precoces e precisos, ao desenvolvimento de novas intervenções de prevenção e terapêutica e à tomada de decisões em saúde.

Sem nos apercebermos é a investigação em saúde que está na origem do aumento da esperança e da qualidade de vida e é da investigação em saúde que sentimos falta quando “já não há nada a fazer”.

Reconhecemos-lhe importância, mas na prática beneficiamos maioritária e passivamente do investimento em investigação de outros países. Um resquício do Provincianismo Português, descrito por Fernando Pessoa em 1928: “O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela — em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz.”

O momento é de entusiasmo e de admiração pelo progresso. Há muitos investigadores biomédicos de qualidade e um programa de emprego científico; há iniciativas de formação em investigação e jovens profissionais com interesse nela; há profissionais de saúde empreendedores, interessados em desenvolver projetos para obter respostas para os doentes; há organizações de doentes que promovem o valor da investigação para o doente; há um roteiro de infraestruturas de investigação que financia centros académicos clínicos; há financiamento de laboratórios colaborativos, unidades de I&D [investigação e desenvolvimento] e laboratórios associados; há financiamento de projetos de investigação nacionais e internacionais; há prémios e bolsas de investigação promovidas por entidades públicas e privadas; há indústria de medicamentos e dispositivos médicos interessada em investir e desenvolver os seus produtos em Portugal; há centros de investigação clínica nas unidades de saúde; há unidades de gestão da investigação clínica; há um Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que vai financiar a organização de dados em saúde e há uma Agência de Investigação Clínica e Investigação Biomédica que promove, coordena e apoia estas atividades e que tem liderado iniciativas agregadoras de sucesso.

Os construtores esforçam-se, mas o edifício é pouco evidente e Portugal sai-se mal na comparação com países semelhantes como a República Checa, Dinamarca ou a Bélgica. Os alicerces parecem querer sustentar um edifício nacional, mas, quase sempre, o betão e o ferro não chegam e os poucos pilares que se ergueram são frágeis, assimétricos e ineficazes. Falta liderança e o projeto estrutural que se possa ir adaptando a acabamentos, mais modestos ou luxuosos, dos proprietários da investigação (investigadores e empresas).

O projeto global não existe porque os cálculos financeiros entre a investigação tutelada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e pelo Ministério da Saúde são desproporcionados e o dono e o fiscal da obra ignoram o valor e o custo da investigação em saúde. Rapidamente se esqueceu o impacto negativo da covid-19 na economia e o positivo da descoberta dos testes de diagnóstico e das vacinas.

É publicamente reconhecido pelas autoridades que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem despesas elevadas e recursos escassos e que a solução, a longo prazo, passa pela prevenção da doença e pela inovação em saúde. A primeira solução é de crescimento muito lento, enquanto a segunda é de retorno mais rápido. Esta afirmação contrasta com o regime financeiro do estatuto do SNS que não contempla a investigação. Tolera-a, admitindo que os estabelecimentos de saúde possam prever como receita as verbas provenientes da investigação e autoriza cedências de exploração de serviços hospitalares, bem como a constituição de associações com outras entidades, para fins de investigação. Paralelamente, também não encontramos nos dez objetivos da atual direção do SNS (in Infarmed Notícias, maio 2023) uma única palavra para a investigação.

Contudo, sendo minhota e literalmente provinciana, mas construtora de alicerces, deixo uma interpretação possível e otimista do que o dono e o fiscal da obra poderão ter em mente para o projeto da saúde na investigação:

  • A liderança da investigação em saúde que não está, nem nunca esteve, na saúde mas vai passar a estar, proactivamente, nas agências que a financiam;
  • A atividade contratada com as unidades de saúde vai incluir indicadores objetivos de investigação em saúde: por exemplo, receitas de projetos, publicações, resultados financeiros da investigação em serviços, resultados de recrutamento para ensaios clínicos, etc.;
  • A promoção da autonomia das unidades de saúde passará por garantir os meios e instrumentos para o investimento em recursos humanos e infraestruturas de investigação: por exemplo, recrutamento de coordenadores de estudos, harmonização de dados, tempo protegido, etc.;
  • Os centros clínicos académicos serão incentivados a ter autonomia financeira;
  • E principalmente, os indicadores para avaliação do desempenho dos serviços incluirão a investigação e o nível de satisfação dos profissionais de saúde para que a investigação contribua para a retenção dos médicos-cientistas no SNS.

Por fim, como os responsáveis pelas finanças e economia poderão não ler artigos de opinião sobre a investigação em saúde, acredito que alguém da saúde os leia.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 1 comentários