Televisão generalista, temos um problema?

O desaparecimento dos canais generalistas é uma previsão manifestamente exagerada, mas a erosão das audiências cria sinais de alerta.

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Nuno Ferreira Santos
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A televisão portuguesa encontra-se num momento contraditório. Por um lado, as produções nacionais aprimoraram a qualidade, especialmente nos conteúdos de ficção, e começam a ganhar notoriedade internacional, por outro, os três grandes operadores nacionais – RTP, SIC e TVI – enfrentam a erosão das suas audiências. As notícias da morte da televisão são manifestamente exageradas, mas as audiências estão mais dispersas e são cada vez menos os programas que conseguem agregar grandes audiências: salva-se o futebol e pouco mais.

Desde o fracasso na implementação da televisão digital terrestre (TDT) que o público das televisões generalistas se tem vindo a esfumar com grande velocidade, dividindo-se entre as várias opções de canais disponíveis nos serviços de televisão por assinatura, conhecidos historicamente por TV cabo. As promessas de aumento da oferta gratuita – Miguel Poiares Maduro, por exemplo, então com a tutela da área, tinha prometido uma “solução ambiciosa” para aumentar a oferta – foram uma montanha que pariu um rato.

O aumento de oferta gratuita nos últimos anos limitou-se ao Canal Parlamento (inactivo na maior parte do tempo), ao canal de informação público (RTP3) e ao serviço de programas dedicado ao conteúdo do arquivo histórico da RTP, bem como séries de ficção e outros conteúdos antigos (RTP Memória). Não admira, por isso, que a TDT esteja hoje essencialmente entregue aos mais pobres e com poucos recursos para terem serviços de televisão paga – audiência que comercialmente é pouco relevante para as televisões – ou às segundas residências.

Os espectadores da televisão gratuita são hoje cerca de 150 mil e a falta de interesse começa a chegar aos operadores: a dona da TVI já chegou a admitir tirar o seu canal da televisão digital terrestre. O CEO da empresa, Pedro Morais Leitão, defendeu no último congresso da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações que RTP, SIC e TVI “gastam oito milhões por ano para transmitir para 150 mil pessoas e há 20 maneiras melhores de o fazer". Nestes anos não existiu qualquer concurso para operadores privados entrarem na televisão aberta e o chamado “quinto canal”, que viria a competir directamente com SIC e TVI, resultou num projecto eternamente adiado.

Se os quatro canais – RTP1, RTP2, SIC e TVI – mantinham 59,4% do share nos dados de há precisamente uma década – num momento em que o apagão analógico já tinha acontecido havia mais de um ano –, nesta segunda-feira, os mesmos quatro canais somaram 41,5% do share de audiência. Cerca de 30% dos espectadores desapareceram numa década. O bolo tem vindo a cair e representa a entrada num círculo vicioso: menos espectadores, menos receitas publicitárias, menos dinheiro para investir em novos conteúdos e conteúdos com pouco investimento tendem a chamar menos audiências. A somar a isto está o streaming e uma geração para a qual o aparelho de televisão é apenas o ecrã lá de casa.

A possibilidade de arriscar por parte dos directores de programas é, por isso, cada vez menor, em particular entre os operadores privados mais dependentes das receitas comerciais. O The Voice Portugal já fez dez temporadas, o Big Brother já teve 15 versões e terá mais uma no final do ano e a SIC já perguntou quem quer namorar com o agricultor seis vezes. Os modelos de sucesso são repetidos até à exaustão das audiências com pouco espaço para que descansem de ver o mesmo no ecrã.

Praticamente, só o futebol em directo continua a reunir as grandes massas de audiência, mas o aumento dos preços dos direitos televisivos faz que seja agora mais difícil ver conteúdos em sinal aberto, pelo menos no que toca à primeira liga de futebol ou à totalidade da participação portuguesa na Liga dos Campeões. Este ano, o Governo tirou estes direitos televisivos da lista de interesse generalizado do público, depois de uma década em que, apesar de estar publicado em Diário da República o interesse destes conteúdos, nenhum operador em sinal aberto chegou a acordo com a Sport TV, detentora dos direitos.

A SIC, líder de audiências há 53 meses, aproveita ainda o “efeito Cristina”, que impulsionou as audiências do canal depois da chegada de Cristina Ferreira às manhãs, em Janeiro de 2019. O regresso de Cristina à TVI, ainda assim, não permitiu uma inversão de tendência nas audiências, depois de anos em que o quarto canal rentabilizou o conhecido “efeito Big Brother” que o catapultou para a liderança das audiências televisivas.

Apesar da aposta da RTP1 em séries – ao contrário do panorama de novela que predomina nos privados –, o canal público tem a audiência mais envelhecida, muito por causa do seu day time. A aposta em novos conteúdos, que também é seguida pela plataforma de streaming Opto da SIC, “é fruto de teimosia e não de resultados” de audiência, defende o produtor Manuel Pureza. Curiosamente, Pôr-do-Sol foi um dos exemplos disruptivos que atraiu novas audiências ao canal público através de uma estratégia bem montada de comunicação, tornando “cool” o acto de assistir à série. Noutro campeonato, especialmente em termos de orçamento, estão as produções associadas às grandes plataformas de streaming, como Rabo de Peixe.

O futuro da televisão é o tema do próximo episódio do videocast Perguntar Futuro, uma conversa que junta Pedro Boucherie Mendes, director de conteúdos digitais e entretenimento da SIC, e o realizador e produtor Manuel Pureza, e que estará disponível a partir de 20 de Julho.


Temas do presente que estão a transformar o futuro: oito conversas entre o diálogo e o desafio, protagonizadas por especialistas com experiências distintas e diferentes visões sobre a educação, a banca, a energia, o entretenimento, as cidades, a saúde, a inteligência artificial, a biotecnologia. Perguntar Futuro é uma série editorial em formato de videocast produzida pelo PÚBLICO, com o apoio da Sonae.

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