Carta aberta ao primeiro ministro acerca dos investigadores precários

Sr. primeiro ministro, é hora de tomar em mãos este dossier. O Estado não pode ter financiado milhares de pessoas, hoje investigadores confirmados, para agora simplesmente lhes dizer adeus.

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Exmo. senhor primeiro ministro, Dr. António Costa,

No dia 18 de abril de 2016, a Fundação Calouste Gulbenkian, presidida então pelo Dr. Artur Santos Silva, proporcionou-nos uma troca de impressões durante um pequeno almoço organizado na delegação de Paris. Então presidente do Collège International de Philosophie, dei-lhe conhecimento das minhas apreensões com respeito à sorte dos investigadores portugueses financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), dos quais eu mesmo fazia parte. Era questão de assegurar o futuro dos seus trabalhos, considerada a visibilidade internacional que estes tinham adquirido e o investimento que o Estado já havia realizado na formação e na carreira dos seus autores.

Conversando com todos os presentes, o senhor primeiro ministro respondeu que acompanhava diretamente o assunto e que formas de continuação do apoio estavam em estudo. Era verdade. Prova disso, o Conselho de Ministros aprovou no dia 28 de julho seguinte o decreto-lei 57/2016, que permitiu à grande parte desses investigadores prosseguir as suas atividades.

Um ano mais tarde, a Assembleia de República reforçou o regime aí estabelecido e previu que ao cabo de mais seis anos de contrato a termo certo, desta vez não com a FCT, mas com as universidades, estas abririam concursos de admissão para a integração definitiva dos investigadores. Hoje, a inquietação que evoquei de viva voz há oito anos manifesta-se de novo.

Até agora, os investigadores não sabem o que vai acontecer-lhes muito em breve, nos próximos meses. Serão os seus contratos a prazo renovados por um sexto e último ano? Caso sim, disporão as universidades de financiamento do Estado para as contratações definitivas que são supostas seguir-lhes? Pior ainda: para não terem de abrir os concursos com vista a tais integrações, como estipula a lei, optarão as universidades por simplesmente não renovar os contratos por um último ano? É o que farão certamente, se o Governo não lhes assegurar desde já as verbas requeridas.

Tem havido manifestações e tem havido manifestos, dirigidos sobretudo à ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Tem havido audições e reuniões. O sentimento preocupante – angustiante – que temos é o de que nada de claro, abrangente e definitivo foi decidido. Por isso, opto pela modalidade da carta aberta.

Sr. primeiro ministro, como sucedeu há oito anos, é hora de tomar em mãos, pessoalmente, este dossier. O Estado não pode ter financiado, encorajado milhares de pessoas, jovens na altura, hoje investigadores confirmados, a obter diplomas internacionalmente reconhecidos, a publicar os resultados das suas atividades nas mais variadas línguas, em todas as áreas científicas e nas mais reputadas editoras nacionais e estrangeiras, para agora lhes simplesmente dizer adeus. Tão-pouco seria uma solução digna, nem para os investigadores nem para o País, salvar uns tantos e rejeitar os demais.

É claro que se trata de indivíduos, que entretanto constituíram famílias, que continuam a fazer sacrifícios para perseverar em domínios por vezes em aparência tão inúteis quanto o meu – a filosofia. Contudo, para lá dos indivíduos há uma estratégia nacional e uma visibilidade internacional. De que serve homenagear Eduardo Lourenço, quando alguns daqueles que prolongam a tradição na qual ele próprio se inseriu e de que foi um símbolo vivem pensando no que lhes acontecerá, quando receberem a carta de despedimento, no melhor dos casos acompanhada por uma palavra desejando “boa sorte”?

Aqueles que fazem ciência querem acreditar na sua boa vontade. Eu acredito na sua boa vontade. E na sua disposição em não abandonar ao destino nenhuma das pessoas que, com empenho e afinco, constantes apesar dos vínculos com futuro sempre incerto, nunca renunciaram ao amor pelo saber nem à dedicação ao sistema de investigação de Portugal.

Diogo Sardinha foi até hoje o único presidente estrangeiro do Colégio Internacional de Filosofia, fundado em Paris no ano de 1983, entre outros, por Jacques Derrida. Antes dele, apenas dois portugueses foram membros desse Colégio – Fernando Gil e José Gil. Os seus livros e artigos estão publicados em onze países e em oito línguas. Doutorado pela Universidade de Paris Nanterre com uma tese sobre a obra de Michel Foucault (bolsa FCT), licenciou-se em filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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