Há mais de 200 espécies de invertebrados em risco de extinção em Portugal continental

Avaliado risco de extinção de mais de 800 espécies de insectos, aranhas, gastrópodes, bivalves e crustáceos. É a primeira vez que se publica o Livro Vermelho dos Invertebrados de Portugal continental.

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O gafanhoto-cantor-de-palpos-negros (Stenobothrus grammicus) vive em sistemas montanhosos e, em Portugal, encontra-se só na serra da Estrela. Esta espécie está “criticamente em perigo” José Conde
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São mais de 200 as espécies de invertebrados em risco de extinção em Portugal continental. Contudo, o número deve ser superior, pois das mais de 800 espécies de insectos, aranhas, gastrópodes, bivalves e crustáceos avaliadas não foi possível obter informação para cerca de 200 e algumas dessas podem estar em risco também. Estes são alguns dos resultados do Livro Vermelho dos Invertebrados de Portugal Continental, que foi apresentado esta terça-feira, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Invertebrados – dentro deste grupo há aracnídeos, bivalves, crustáceos, gastrópodes e os insectos. São eles os representantes da maior parte da diversidade terrestre. Só em Portugal continental estima-se que existam mais de 20.000 espécies de invertebrados terrestres e de água doce. Muitas delas são exclusivas do território português.

A representação dos invertebrados pelo território é grande, mas a sua protecção legal ainda não é assim tanta. Neste momento, só 14 espécies de invertebrados terrestres têm protecção legal em Portugal continental ao abrigo da directiva Habitats, que se refere à preservação dos habitats da flora e fauna selvagens, lê-se num comunicado sobre o livro vermelho. Também se salienta que esse número “não é representativo da considerável diversidade dos invertebrados de Portugal, nem tão-pouco inclui as espécies mais ameaçadas no nosso país”.

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O caracol terrestre Xeroplexa coudensis é uma espécie que apenas foi encontrada no vale da Couda, em Leiria, e foi avaliada como “criticamente em perigo” David Holyoak

O novo livro vermelho indica que são mais de 200 as espécies ameaçadas e que mais de 30 delas estão “criticamente em perigo”. Contudo, podem estar muitas mais espécies em perigo, porque não foi possível recolher informação suficiente sobre cerca de 200 das 800 espécies avaliadas, como de caracóis ou abelhas. Portanto, foram classificadas na categoria de “informação insuficiente”, o que mostra que ainda há muito por conhecer.

Algumas das espécies mais ameaçadas incluídas no livro são a aranha-cavernícola-do-Frade (da espécie Anapistula ataecina), que vive apenas no sistema cavernícola do Frade, na Arrábida; o caracol Xeroplexa coudensis, que apenas foi encontrado no vale da Couda, em Leiria; ou o camarão-girino (Lepidurus apus), um crustáceo que só foi avistado em Portugal num charco em Ponte de Lima.

A abelha Halopanurgus baldocki, que apenas existe em zonas de sapal do Algarve, também está vulnerável, sobretudo devido a pressões urbanísticas. Caso alguns destes insectos se extingam, como são únicos em Portugal, vão desaparecer do mundo.

Muitas lacunas no conhecimento

A coordenadora executiva do projecto, Carla Rego, refere que a maior preocupação quanto aos invertebrados em Portugal é ainda sabermos pouco sobre eles. “Ainda temos muitas lacunas de conhecimento sobre a sua abundância, distribuição, ecologia e as ameaças que enfrentam no nosso território”, afirma ao PÚBLICO a também investigadora do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. “Faltam apoios e especialistas para estudar a grande maioria destes grupos de organismos.”

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A aranha-cavernícola-do-frade (Anapistula ataecina) é uma espécie endémica de Portugal e uma das mais pequenas da Europa. Apenas pode ser encontrada no sistema cavernícola do Frade, na Arrábida. Esta espécie foi avaliada como “criticamente em perigo” Pedro Cardoso

Esta é a primeira vez que se publica o Livro Vermelho dos Invertebrados de Portugal Continental. Até agora, algumas das espécies no livro já tinham sido avaliadas a nível global, europeu ou ibérico.

Com o novo livro, as mais de 200 espécies em perigo em Portugal continental integrarão o futuro Cadastro Nacional de Valores Naturais Classificados e passarão a ter protecção legal no país. Espera-se que o livro funcione também como uma orientação das prioridades de conservação dos invertebrados, bem como um contributo na tomada de decisões ligadas à conservação da natureza em Portugal.

O grande objectivo do Livro Vermelho dos Invertebrados de Portugal Continental é proporcionar conhecimento sobre espécies classificadas como ameaçadas. Esse trabalho é feito com base na avaliação do risco de extinção de acordo com os critérios e categoriais da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).

O coordenador científico do projecto, Mário Boieiro, diz que as ameaças aos invertebrados em Portugal são diversas. As espécies avaliadas vivem numa grande diversidade de habitats por todo o território nacional – estão em montanhas, rios, lagos, estuários, sapais, áreas urbanas, áreas agrícolas, pastagens, matos, florestas ou em charcos temporários mediterrânicos.

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Em Portugal, a libelinha Lestes sponsa é apenas conhecida no açude das Gralhas e foi avaliada como “criticamente em perigo” Albano Soares

Esta diversidade faz com que enfrentem diversas ameaças. “A maioria encontra-se ameaçada pela diminuição ou destruição do seu habitat em resultado de actividades humanas, sendo alguns dos factores apontados o desenvolvimento urbano, turístico, a intensificação das práticas agrícolas e florestais”, explica o investigador do cE3c da Universidade dos Açores.

Como tal, Mário Boieiro entende que deverão ser adoptadas várias medidas para que se evite a extinção das espécies ameaçadas. Entre as medidas o investigador sugere a realização de mais estudos científicos sobre a abundância, distribuição e ecologia das espécies; a criação de microrreservas; a recuperação da qualidade do habitat onde as espécies vivem; a adopção de práticas e sistemas de produção agrícola e florestal mais sustentáveis; ou o controlo da poluição. Por fim, adianta ainda que são cruciais as acções de divulgação e educação ambiental junto da população em geral e para os decisores para a conservação das espécies em perigo.

Uns “mal-amados”

O Livro Vermelho dos Invertebrados de Portugal Continental ficará disponível nos próximos meses. Este livro é o resultado de um projecto iniciado em 2019, que foi coordenado pelo cE3c e contou com a parceria do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Junta-se agora aos trabalhos que avaliaram o risco de extinção de espécies de outros grupos em Portugal e já foram publicados.

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O camarão-girino (Lepidurus apus) é uma espécie de crustáceo de charcos temporários. Em Portugal apenas é conhecida num único charco em Ponte de Lima. Foi avaliada como “criticamente em perigo” Luis Cancela da Fonseca

Os primeiros livros vermelhos sobre organismos em Portugal foram publicados no início dos anos 90 do século XX, diz Carla Rego. Até agora, já foram editados três volumes com a avaliação do risco de extinção de vertebrados. Em 2014, foi feita a primeira avaliação para briófitos. Já em 2020, foi divulgada a primeira análise deste género para as plantas vasculares de Portugal.

A investigadora diz que o facto de apenas agora ser publicado o primeiro livro vermelho para os invertebrados de Portugal mostra algo sobre a nossa relação com estes organismos: “Esta diferença histórica traduz o facto de os invertebrados serem os ‘parentes pobres’ da conservação. São pouco acarinhados pelos decisores políticos e pela sociedade, de um modo geral, devido sobretudo à falta de empatia que suscitam e ao facto de haver pouca consciência sobre a sua importância nos ecossistemas.”

Mário Boieiro corrobora esta ideia. “Os invertebrados, com excepção das borboletas diurnas, das joaninhas e alguns outros grupos, suscitam sentimentos negativos, em alguns casos medo – como aranhas, abelhas, vespas – ou repulsa, como no caso das baratas, moscas ou lesmas”, admite o investigador. Assim, o facto de os invertebrados serem uns “mal-amados” faz com que sejam ignorados em acções de conservação ou estudos de impacto ambiental, acrescenta.

Por vezes, parece que o seu papel crucial nos ecossistemas passa despercebido. Os organismos deste grupo polinizam plantas, filtram água, distribuem sementes que serão alimentos para outros animais e reciclam nutrientes. “Na última década, tem sido evidente que enfrentamos uma crise global de biodiversidade, mas no caso dos invertebrados é uma crise silenciosa”, realça Mário Boieiro.

“Só nos damos conta dela quando vemos as consequências da sua ausência, como a necessidade de recorrer a polinização manual em algumas áreas já sem polinizadores, a suplementação com fertilizantes dos solos cada vez mais pobres em nutrientes, ou a insalubridade de muitas massas de água por ausência de organismos filtradores que não resistem à poluição dos rios e ribeiras.”

O novo livro vermelho pode dar palco a estes “mal-amados” tão essenciais para o planeta. E, quem sabe, mudar a imagem que algumas pessoas têm deles.

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