Verão, sardinhas e tintos frescos: o sommelier Marc Pinto escolhe o vinho

Marc Pinto, director de vinhos do Fifty Seconds e vencedor do Campeonato Nacional de Escanções em 2022, destaca alguns Verdes que fazem brilhar sardinhadas, caldeiradas e outros prazeres da temporada.

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Marc Pinto é director de vinhos do restaurante Fifty Seconds (Lisboa), detentor de uma estrela Michelin
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O director de vinhos do Fifty Seconds – o restaurante de Martín Berasategui em Lisboa – acredita convictamente no grande potencial da Região dos Vinhos Verdes. “Tudo o que se fez até agora foi óptimo, e grandes heróis os que o fizeram, mas acho que ainda há muito para fazer”, comenta Marc Pinto, dando como exemplo o trabalho conseguido com Monção e Melgaço no alvarinho: “Falta explorar outras sub-regiões que tenham potencial incrível. Baião com o avesso, Lima com loureiro”, exemplifica, acrescentando que “tem de haver mais pessoas a fazerem coisas incríveis, a apostarem e a arriscarem”.

Marc Pinto fez boa parte do seu percurso em Espanha, nomeadamente com Berasategui, o chef mais estrelado da Península Ibérica, e fez parte da equipa que ganhou a terceira estrela Michelin para o restaurante Lasarte Barcelona. É ele que assina, desde a abertura, a carta de vinhos do Fifty Seconds (que ganhou o seu lugar na constelação Michelin em 2019), onde tem duas dezenas de referências de Vinhos Verdes.

Além do Campeonato Nacional de Escanções, que venceu em 2022, Marc Pinto já foi distinguido pelo seu trabalho no Fifty Seconds com os prémios de “Sommelier do Ano” das revistas Grandes Escolhas (2021) e Revista de Vinhos (2020), bem como o de “Escanção do Ano” nos Prémios Mesa Marcada (2020).

Já com um pé no Verão, o sommelier ajuda-nos a escolher alguns vinhos para acompanhar a estação, tanto em contextos mais requintados como em modo “comer a sardinha de pé e em cima de pão”.

Que Vinhos Verdes se prestam a uma sardinhada?

Para comer a sardinha de pé e em cima de pão, o Pequenos Rebentos Loureiro, do Márcio Lopes, aproveitando a frescura e a acidez para envolver a parte mais gorda da sardinha, e um ligeiro adamado, que dá um bom jogo em conjunto com a componente salgada. É um vinho muito versátil para beber nesta época com a sardinha, uma coisa mais descomplicada.

Embora o típico seja comer a sardinha assada, isso não quer dizer que não se possa prepará-la em cru ou só com um toquezinho de fumo, num Josper, por exemplo. Para a sardinha num conceito mais requintado, proponho o mesmo produtor, mas com um vinho também mais requintado: o Pequenos Rebentos Vinhas Velhas Loureiro, com estágio em barrica. Aproveitando a textura, porque é um vinho com mais seriedade, com mais músculo em boca, e o estágio de barrica também lhe dá cremosidade extra, para envolver de outra forma o prato de sardinha.

Portanto, dois loureiros. O loureiro tem uma aptidão especial para sardinhas?

Quando quero fazer pairing com peixes azuis, é uma casta que gosto muito de usar, por ter essa componente aromática típica e também uma excelente frescura. No Fifty Seconds não servimos sardinhas, especificamente, mas olho para a casta loureiro no sentido de vir ajudar a equilibrar os sabores fortes do peixe.

O Márcio Lopes é um produtor que trabalho bastante com a casta loureiro. Se o Anselmo Mendes é o “senhor Alvarinho”, eu digo que, em poucos anos, o Márcio Lopes vai ser visto como o “senhor Loureiro”. Acho que merece destaque pelos loureiros que faz, ele consegue fazer uma coisa refrescante e descomplicada, como o Pequenos Rebentos Loureiro, entrada de gama, e depois faz coisas mais sérias, elevando a casta a um nível internacional – e mesmo assim não é nada exagerado em termos de preços, pelo menos para já.

E para pratos mais estruturados que também são sinónimo de Verão, como caldeiradas e arrozes, o que recomenda?

Gosto muito da Quinta do Regueiro, que trabalha com alvarinho envelhecido em barrica. O Regueiro Barricas é um vinho que uso muito no restaurante, quando procuro um alvarinho que não seja tão aromático, devido ao estágio em barrica, e com um pouco mais de volume de boca. Mesmo mantendo uma excelente frescura, tem um bom grau alcoólico, portanto para pratos mais elaborados, com mais densidade, é um excelente vinho. Eu servia-o com um salmonete com escamas crocantes e os fígados, em busca dessa cremosidade e densidade do prato.

A sugestão número dois é uma solução mais descomplicada. Um vinho que provei há pouco tempo e me surpreendeu imenso pela capacidade à mesa em termos de harmonizações: o Avesso Natur da Covela. É um vinho que, não sendo muito aromático, conseguia manter uma excelente frescura em termos de boca, acidez muito vibrante, mas com a nuance de umas notas florais que me cativaram muito.

Não é o típico avesso, que às vezes é mais dormido em termos aromáticos, antes uma coisa muito mais expressiva e directa. Na prova completa, é capaz de ter sido o vinho da casa que mais me surpreendeu. Eu conheço o registo da Covela, tenho os vinhos cá presentes – e tenho vários anos, porque gosto de envelhecer os avessos; se os deixarmos envelhecer, ganham outras camadas aromáticas –, mas este Natur, eventualmente, por ser menos interventivo e menos protegido, revela isso mais rápido, o que é interessante para a casta.

Por último, que tintos vão bem com o Verão?

Vou bater outra vez no mesmo produtor. O Pequenos Rebentos Tinto Atlântico do Márcio Lopes é um tinto de cor muito aberta, muito refrescante. É daqueles tintos para beber ligeiramente mais fresco. Tem muita fruta vermelha, é uma coisa muito bem feita. E também gosto muito do espumante Quinta do Ferro Bruto Tinto. A espumantização de tintos é uma coisa a ser explorada, porque tem potencial – e a Quinta do Ferro é um dos pioneiros. Fazem-no muito bem e esperam tempo suficiente até os vinhos se revelarem. Nem só de vinho tinto vive o homem – um espumante tinto também pode funcionar muito bem, muito mais na altura do Verão, em que queremos beber algo mais fresco.

Depoimento recolhido e editado por João Mestre


Este artigo foi publicado no n.º 9 da revista Singular.

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