Cartoon na RTP: ministro da Cultura defende autonomia para humoristas e cartoonistas

Em causa está um cartoon alusivo à polícia e ao racismo que a RTP passou nos últimos dias, e que tem gerado polémica, com críticas dos partidos à direita e das próprias autoridades policiais.

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Pedro Adão e Silva, ministro da Cultura, defende que "o humor e o cartoon devem ser um espaço que deve gozar de particular autonomia" LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

O ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, defendeu nesta segunda-feira que os humoristas e cartoonistas devem ter autonomia, destacando que o cartoon alusivo à polícia e ao racismo que a RTP transmitiu durante a cobertura do festival de música Nos Alive alude à "realidade francesa".

"É um cartoon e eu acho que devemos levar a sério essa autonomia do que é o humor e o humor sobre a actualidade política nacional e internacional", afirmou o governante, ao ser questionado pelos jornalistas sobre a animação polémica.

Pedro Adão e Silva, que falava em Vila Viçosa, no distrito de Évora, insistiu que "o humor e o cartoon devem ser um espaço que deve gozar de particular autonomia e de não interferência editorial".

O cartoon em questão é Carreira de Tiro, de Cristina Sampaio — colaboradora do colectivo Spam Cartoon, que tem uma rubrica semanal na RTP, e colaboradora do PÚBLICO, na rubrica Desalinho, do P2. Mostra um polícia a atirar ao alvo com cada vez mais intensidade. No final, são mostrados quatro alvos, do mais claro ao mais escuro. O mais claro não foi atingido, ao passo que o polícia acertou progressivamente mais em todos os outros.

Nas declarações aos jornalistas, o responsável pela pasta da Cultura, que tutela a RTP, frisou que existem "muitos exemplos recentes, trágicos", em que se fez uma discussão sobre "os limites do humor e até a forma como esses limites do humor devem ser tolerados".

"Surpreendo-me sempre que muitos daqueles que defendem a liberdade do humor e do cartoon numas determinadas matérias e, depois, noutras, já pensam o contrário", disse.

Assinalando que a rubrica do Spam Cartoon já "existe há muito tempo no espaço da RTP", o ministro lembrou que o colectivo "já reconheceu que aquele cartoon é sobre França" e a morte recente de Nahel, jovem francês com ascendência magrebina sobre quem a polícia disparou numa operação stop.

"Não vale a pena transferir aquilo que é a realidade francesa da semana passada para a realidade portuguesa. Acho que essa importação não serve a ninguém e não vale a pena forçar essa interpretação", acrescentou.

No sábado, o Sindicato Nacional da Carreira de Chefes (SNCC) da PSP anunciou que apresentou uma queixa-crime contra os autores do cartoon e também contra a RTP por tê-lo emitido, considerando que "há, inequivocamente, uma intenção de vilipendiar todos os polícias, retratando-os como xenófobos e racistas".

Contactado pela Lusa, o ilustrador André Carrilho, co-fundador, juntamente com João Paulo Cotrim, do Spam Cartoon, considerou que a queixa "não faz sentido", uma vez que o cartoon "não tem nada a ver com a PSP nem com a realidade portuguesa".

"Nós trabalhamos para a RTP desde 2017 e o cartoon é sempre feito num contexto de actualidade nacional e internacional, neste caso é internacional. Tem a ver com a ocorrência em França, da morte de um jovem francês às mãos da polícia que depois deu origem a vários tumultos pelo país inteiro", explicou André Carrilho.

Por sua vez, fonte oficial da RTP disse à Lusa que "o Spam Cartoon é um exercício de opinião livre sobre a actualidade nacional e internacional que a RTP acolhe desde 2017", sendo da autoria de "alguns dos mais reconhecidos cartoonistas portugueses".

"Em nenhuma circunstância serviu para instigar à violência contra quem quer que seja. Os valores da liberdade de expressão e de opinião são basilares da democracia e do serviço público da RTP", salientou o canal de televisão.

Com críticas ao cartoon, o PSD já questionou o Conselho de Administração da RTP, o CDS-PP criticou o ministro da Administração Interna (por considerar que não defendeu a honra das forças policiais) e o Chega propôs a audição no Parlamento do canal público e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

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