Salários e ensino superior: as expectativas dos jovens e o futuro do país

Seria uma verdadeira tragédia se as gerações jovens deixassem de apostar na sua educação e não vissem Portugal como um país onde podem desenvolver uma carreira profissional atrativa.

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A queda do prémio salarial dos jovens com o ensino superior face aos jovens com o ensino secundário (de 52% em 2011 para 27% em 2022) foi o dado que gerou maior atenção mediática do relatório “Estado da Nação 2023: Educação, Emprego e Competências em Portugal” da Fundação José Neves. Importa reforçar que um diploma do ensino superior continua a compensar financeiramente (e não só), analisar as possíveis razões desta queda e deixar bem claro as preocupações que a mesma acarreta para o futuro da sociedade e dos jovens em particular.

Em 2022, o salário de um jovem com o ensino superior era, em média, 27% superior ao de um jovem com o ensino secundário, quando em 2011 essa diferença era de 52%. Este dado diz respeito a jovens entre os 25 e os 34 anos e todos os graus do ensino superior (licenciatura, mestrado e doutoramento). Esta evolução resulta da dinâmica entre a oferta e a procura por jovens com ensino superior.

Do ponto de vista da oferta, a queda do prémio salarial ocorreu em simultâneo com um aumento notável da percentagem de jovens que completaram o ensino superior: eram 27,5% em 2011 e 44,4% em 2022, ano em que Portugal já estava em linha com a média da União Europeia (42%). Unicamente deste ponto de vista, uma queda do prémio salarial é expectável e, de facto, os prémios salariais em Portugal têm vindo a aproximar-se dos prémios de países com níveis semelhantes de massificação do ensino superior. No entanto, é pertinente considerar também a qualidade e relevância da oferta e a procura por jovens qualificados.

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Percentagem de jovens que concluíram o ensino superior passou de 27,5%, em 2011, para 44,4%, em 2022 Maria Abranches

Em relação à qualidade e relevância da oferta, parte da queda do prémio salarial poderá também ser explicada por alterações nas competências médias desenvolvidas em graus do ensino superior que justifiquem remunerações mais baixas. Estas alterações podem passar por menores níveis de competências, devido por exemplo a formações de primeiro ciclo mais curtas, por escolhas de formação em áreas com menor alinhamento com o mercado de trabalho ou por uma menor preparação dos públicos que entram pela primeira vez no ensino superior. Esta hipótese, sempre polémica, é muitas vezes assumida por defeito, servindo na prática para ilibar o sistema de ensino e de formação de responsabilidades, mas, na verdade, deverá constituir uma fonte de preocupação. À medida que os públicos do ensino superior se diversificam e o mundo de trabalho evolui, também o próprio sistema deve ser capaz de se reinventar e demonstrar capacidade – a partir de financiamento adequado, de inovação pedagógica, oferta formativa diferenciadora ou novas formas de se articular com o meio, por exemplo – para continuar a transmitir competências capazes de contribuir para aumentos de produtividade.

A queda dos prémios salariais está ainda mecanicamente ligada ao aumento dos salários reais nos percentis mais baixos da distribuição salarial, que são também menos qualificados, em resultado, nomeadamente, do aumento do salário mínimo nacional. Esse efeito, reforçado pelos baixos salários que caracterizam genericamente o emprego jovem, é positivo, sobretudo na medida em que não se tem traduzido em fortes aumentos de desemprego.

A queda do prémio salarial pode não ser, por si só, uma má notícia, mas deve ser analisada tendo em conta outros fatores, uma vez que é igualmente reflexo da evolução da procura dos empregadores (do setor público ou privado), da valorização que fazem das competências superiores e da capacidade para pagar por esse talento.

Na verdade, a queda do prémio salarial entre jovens com ensino superior e ensino secundário não seria (tão) preocupante:

  • Se a queda do prémio salarial fosse acompanhada por uma maior estabilidade ou aumento do salário real dos jovens com o ensino superior. No entanto, a queda do prémio salarial entre 2011 e 2022 resultou de um aumento ligeiro do salário real médio dos jovens com o ensino secundário (de 795€ para 833€) e na queda do salário real médio dos jovens com o ensino superior (de 1203€ para 1061€).
  • Se estivesse também a diminuir a percentagem de jovens com ensino superior que trabalham em profissões que não exigem esse nível de escolaridade. No entanto, em 2022, esse era o caso para 22,4% dos jovens com ensino superior, um aumento significativo face aos 16,6% registados em 2011 (capítulo 1.1, Estado da Nação 2023). Ou seja, mais jovens a completarem o ensino superior mas a trabalharem em funções menos qualificadas, ocupando, eventualmente, empregos destinados a jovens com menor escolaridade.
  • Se a percentagem de jovens com ensino superior empregados em setores intensivos em conhecimento estivesse a aumentar. No entanto, e relacionado com o ponto anterior, verifica-se o aumento do emprego dos jovens com ensino superior em setores pouco intensivos em conhecimento, em especial na indústria de baixa tecnologia e em serviços pouco intensivos em conhecimento, de 30% em 2011 para 36% em 2022 (Cap. 2.4, Livro Branco, Mais e Melhores Empregos para os Jovens).
  • Se a produtividade em Portugal estivesse a aumentar em consequência do aumento das qualificações, como seria esperado. No entanto, ao contrário das qualificações dos portugueses, a produtividade manteve-se estagnada em grande parte deste período, o que limita o potencial de crescimento dos salários de todos os trabalhadores (Capítulo 2, Estado da Nação 2022). Esta estagnação tem várias causas, além do capital humano, mas há um potencial que este capital encerra e não parece estar a ser posto ao serviço da produção e da competitividade do país.
  • Se a emigração dos jovens com o ensino superior não fosse tão elevada. No entanto, apesar de os dados a este respeito serem escassos e pouco fiáveis, não deixa de ser aparente o regresso de um clima de desilusão e inevitabilidade da emigração que merece também preocupação. A migração de jovens qualificados é, em parte, expectável, precisamente no contexto de um país com um problema de produtividade. Mas não deixa de ser uma fonte adicional de perda de potencial produtivo e deverá ser motivo de preocupação sobretudo quando involuntária.

Não contrariando aspetos mais positivos associados a essa queda, estes pontos justificam muitos dos sinais de preocupação sobre a magnitude da queda do prémio salarial.

Restam duas mensagens essenciais:

_Para os jovens interessados no ensino superior: Continua a ser vantajoso prosseguir os estudos para o ensino superior. O prémio salarial é mais elevado em várias áreas de formação e os prémios médios escondem inúmeras histórias de sucesso, nomeadamente quando apoiadas no desenvolvimento de vocações. Nesse sentido, é importante que os jovens se informem sobre as áreas com maior escassez de profissionais e mais promissoras e continuem também a acreditar nas suas vocações.

_Para o país: A queda do prémio salarial do ensino superior e a queda dos salários reais dos jovens qualificados, reduz os incentivos dos jovens para prosseguirem os seus estudos. Nem todos têm de seguir a via do ensino superior e é importante incentivar também a vertente profissionalizante do ensino. Mas, dado o défice histórico de qualificações dos portugueses e os problemas de produtividade do país, seria uma verdadeira tragédia se as gerações jovens deixassem de apostar na sua educação e não vissem Portugal como um país onde podem desenvolver uma carreira profissional atrativa. É assim urgente avaliar de frente este problema, por respeito às próprias expectativas dos mais jovens.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

Autores do capítulo do "Estado da Nação"

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