“Se o desperdício alimentar fosse um Estado-membro, seria o quinto emissor de gases da UE”

A Comissão Europeia apresentou esta quarta-feira uma proposta de revisão da Directiva sobre Resíduos para reduzir o desperdício alimentar e promover a economia circular no sector dos têxteis.

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Projectos como o Fruta Feia ajudam a combater o desperdicio alimentar Nelson Garrido
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A Comissão Europeia apresentou esta quarta-feira uma proposta de revisão da Directiva-Quadro Resíduos, que inclui medidas relativas ao desperdício alimentar, apostando numa redução até 2030 de 30% no desperdício a nível da restauração e consumo doméstico, assim como uma redução em 10% no desperdício a nível da produção e processamento. A proposta também inclui alterações para reduzir os resíduos têxteis e promover a economia circular na indústria.

Todos os anos, cerca de 59 milhões de toneladas de resíduos alimentares são gerados na União Europeia – cerca de 131 quilos por habitante. “Se o desperdício alimentar fosse um Estado-membro, seria o quinto maior emissor de gases com efeito de estufa da UE”, ilustrou o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, responsável pela aplicação do Pacto Ecológico Europeu, na apresentação do novo pacote do executivo comunitário.

Numa altura em que alguns detractores do Pacto Ecológico europeu argumentam que as medidas podem pôr em risco a segurança alimentar na UE, Timmermans sublinha que desperdiçar comida a este nível, quando mais de 30 milhões de pessoas na UE não conseguem comer uma refeição completa todos os dias, “é simplesmente inaceitável”. “Os agricultores querem produzir comida de qualidade para alimentar pessoas, e não ir para o lixo”, complementou,

O desperdício alimentar tem um enorme impacto económico – uma perda estimada de 132 mil milhões de euros por ano –, social e também ambiental. Estas toneladas de resíduos alimentares representam 252 milhões de toneladas de CO2 equivalente, ou seja, cerca de 16% do total das emissões de gases com efeito de estufa provenientes do sistema alimentar da UE, de acordo com dados da Comissão, além de colocarem pressão sobre os solos e os recursos hídricos.

O objectivo de reduzir em 30% é pouco ambicioso para a fasquia assumida pela União Europeia ao comprometer-se com os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, não permitindo, por exemplo, atingir a meta 12.3, que prevê a redução em 50% do desperdício alimentar per capita a nível do consumo. O plano é que a meta seja revista em 2027, consoante o desempenho dos países até lá.

O comissário do Ambiente, Oceanos e Pescas, Virginijus Sinkevičius, salientou que estas propostas completam o “puzzle complicado” do Pacto Ecológico Europeu, que liga dossiês diversos desde o “Fit for 55” (que permite a redução de emissões) até às estratégias da Biodiversidade e o objectivo de Poluição Zero.

Desperdício no têxtil e fast fashion

A proposta de revisão da directiva sobre resíduos prevê também medidas para a redução dos resíduos têxteis. Todos os anos, a UE gera 12,6 milhões de toneladas de resíduos têxteis, com 5,2 milhões de toneladas apenas em vestuário e calçado. “Apenas um quinto desse montante é recolhido para reutilização e reciclagem”, afirmou Virginijus Sinkevičius. Ou seja, cerca de 80% dos resíduos têxteis vão parar a incineradores, aterros ou mesmo despejados em outras partes do mundo.

O comissário lituano explica que a proposta procura “envolver a indústria na economia circular para têxteis”, incluindo programas “para que os produtores assumam a responsabilidade de todo o ciclo de vida dos têxteis que colocam no mercado”: por um lado, “os produtores terão mais incentivos para criarem produtos mais fáceis de reciclar”; já depois da fase de consumo, aplicando o princípio do poluidor-pagador, os produtores terão também que contribuir para a sua recolha.

“Reciclar é mais difícil porque as roupas que usamos não estão desenhadas para ser recicladas”, notou o comissário, apontando que actualmente apenas 1% destes resíduos são reciclados.

“Esta legislação vai garantir que estes têxteis são recolhidos por toda a UE”, em consonância com a Estratégia da UE para a Sustentabilidade e a Circulação de Têxteis, garantiu Virginijus Sinkevičius. Os chamados regimes de responsabilidade alargada do produtor já existem para outros sectores, estando já a ser aplicados na melhoria da gestão dos resíduos de produtos como embalagens, baterias e equipamentos eléctricos e electrónicos.

A revisão da directiva pretende, assim, estimular a criação de oportunidades para o mercado de têxteis em segunda-mão e contribui, sublinha o comissário, para “enfrentar a fast fashion”, ou seja, a produção de roupa de baixa qualidade, vendida a baixos preços, estimulando a compra cada vez mais frequente e cada vez menos utilizações.

A proposta, aliás, procura igualmente limitar a prática de exportar (muitas vezes de forma ilegal) resíduos têxteis para outros países, muitos dos quais sem capacidade para os gerir. Esta questão é também abordada na proposta de um novo regulamento relativo às transferências de resíduos, que pretende assegurar que estas exportações só se realizam quando houver “garantias de que os resíduos são geridos de uma forma ambientalmente correcta”, lê-se no documento da Comissão europeia.

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