Estudo europeu critica excessiva dependência do transporte individual em Lisboa

Avaliação de 42 cidades europeias põe capital portuguesa no décimo lugar. Trotinetas e bicicletas não podem servir para “tapar buracos do transporte público”, avisa-se.

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A Zero alerta para a necessidade de se abandonar o padrão de uso dos veículos individuais Rui Gaudencio
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A capital portuguesa continua a estar demasiado dependente das soluções de mobilidade individual, em detrimento das opções de uso colectivo, com menor impacto ambiental. Essa é a principal conclusão da edição de 2023 do estudo anual promovido pela Campanha Cidades Limpas, coligação de organizações europeias unidas na missão de se atingir uma mobilidade urbana isenta de emissões poluentes até ao final da década, da qual faz parte a associação ambientalista Zero. Em comparação com 2022, Lisboa subiu cinco lugares no ranking continental que avalia as soluções existentes de mobilidade partilhada e de emissões zero. Mas a sua avaliação geral piorou.

Num conjunto de 42 cidades europeias, Lisboa aparece este ano em décimo lugar, com uma classificação qualitativa de 49,8%. Razão pela qual é classificada com um “C”, numa escala em que “A” representa o melhor desempenho possível na tomada de medidas tendentes a descarbonizar o sistema de transportes e o “F” o pior. Na edição do ano passado, a capital portuguesa aparecia em 15.º lugar na mesma lista, mas tinha uma melhor avaliação quantitativa, fixando-se nos 53,5%.

Única cidade portuguesa avaliada pelo estudo, este ano intitulado "Obrigado por partilhar", numa alusão à importância da mobilidade urbana partilhada, Lisboa é avaliada positivamente em dois dos quatro indicadores tomados em conta e de forma negativa noutros dois. Os indicadores analisados pelo estudo são “bicicletas e trotinetas partilhadas”, “automóveis eléctricos partilhados”, “autocarros emissões zero” e “infra-estruturas para carregamento de veículos eléctricos”.

É na “ampla oferta de trotinetas e bicicletas partilhadas” e na “infra-estrutura de carregamento para automóveis eléctricos” que Lisboa aparece bem classificada quando comparada com a média europeia. Em relação ao indicador das trotinetas, avaliado a partir do número destes veículos por cada conjunto de 1000 habitantes, a cidade surge em segundo lugar entre as 42 analisadas no continente europeu.

Já em relação às infra-estruturas de carregamento de carros eléctricos, cuja avaliação é realizada através da facilidade de acesso a estações de carregamento pelo público geral e pela potência de carregamento disponível, a cidade portuguesa surge em sexto lugar. Neste indicador, como noutros, a melhor cidade é Copenhaga, que surge, aliás, como a melhor cotada na avaliação geral feita pela Campanha Cidades Limpas.

Pela negativa, Lisboa é referida quanto à baixa disponibilidade de aluguer de carros eléctricos partilhados, avaliada a partir do número total destes veículos, na qual aparece como a penúltima cidade europeia entre as 42 analisadas. Pior mesmo só a Tricidade, aglomeração das cidades polacas de Gdansk, Gdynia e Sopot, situadas na província da Pomerânia.

O outro dos aspectos em que a maior cidade de Portugal não compara bem com as restantes é quanto à frota de autocarros com emissões zero, indicador medido através da incorporação relativa de autocarros 100% eléctricos na frota total de autocarros na cidade. Nesse caso, fica na posição 33.

A Zero evidencia o facto de, aquando do fecho do estudo, no final do primeiro trimestre de 2023, a Carris apenas possuir na sua frota um total de 15 autocarros eléctricos, ou seja, 2,3% do total da frota. E chama a atenção para o facto de que, por causa disso, Lisboa fica bem abaixo da média, pois há cerca de duas dezenas de cidades que no estudo têm mais de 10% da sua frota de autocarros electrificada.

“É um valor baixo, contudo, é de realçar o investimento anunciado pela operadora em novos autocarros eléctricos até 2026, o que permitirá melhorar significativamente esta situação”, considera a associação ambientalista.

Por tudo isto, e apesar das boas notícias em alguns dos indicadores, a Zero vê aqui um claro padrão lisboeta, considerando que a cidade “denota um contínuo foco na individualização dos transportes urbanos”. Mesmo que elogie os dois parâmetros avaliados como positivos, em especial o crescimento do uso de trotinetas e bicicletas.

Importância do transporte público

“Embora a mobilidade suave seja importante no transporte urbano, é um complemento ao transporte público tradicional e não um substituto, e não pode servir para tapar buracos do transporte público nem para evitar o investimento em infra-estruturas ou em meios de transporte”, diz a associação ambientalista, sublinhando que a mobilidade numa cidade como Lisboa tem de estar estruturada em torno dos meios tradicionais de transporte público.

E a referida proeminência das trotinetas e das bicicletas, apesar de elogiada, é vista como problemática, devido à incapacidade da rede de ciclovias para acompanhar tal crescimento. “É igualmente fundamental ter em conta a escassez ainda existente, nalguns locais, de infra-estruturas próprias para o uso de bicicletas e trotinetas, o que faz que os seus utilizadores entrem, frequentemente, em conflito com os peões e com os próprios automóveis”, nota o relatório.

Também a infra-estrutura de carregamento de veículos eléctricos privados em Lisboa é elogiada, para, logo a seguir, se considerar que, na verdade, a mesma pode estar a “perpetuar o uso do veículo individual na cidade, em detrimento do uso do transporte público colectivo e dos meios de mobilidade suave”.

“Os automóveis eléctricos reduzem as emissões, mas há importantes desafios relacionados com uma ampla rede de carregamento em meio urbano, com o congestionamento nas cidades e com a ocupação de espaço de estacionamento nas ruas que poderia servir para actividades mais nobres”, diz o documento, apelando, mais uma vez, ao uso do transporte público.

Por isso, a Zero entende que se deve “dar prioridade ao desenvolvimento da infra-estrutura de carregamento de veículos públicos eléctricos nas cidades, como autocarros, táxis, transporte a pedido e veículos eléctricos partilhados”. Estes são elogiados por corresponderem a “um modelo que oferece comodidade individual para deslocações pontuais, acessível, eficiente em termos de espaço e recursos da cidade, sem emissões locais, e por isso vantajoso do ponto de vista climático e da qualidade do ar”.

O estudo da Campanha Cidades Limpas classifica Copenhaga como a melhor da lista, tendo uma avaliação de 86,5%. Por isso, está integrada na classe A. A outra cidade nessa classe é Oslo, com uma pontuação de 81,3%. Paris surge em terceiro lugar na lista das cidades mais bem preparadas para efectuar a transição carbónica, com 69,5%, mas já na classe B. No final da classificação geral está a área metropolitana de Manchester, com 8,3%, seguida de perto por Dublin com 8,8%.

Tendo em conta os resultados apurados, o estudo considera que, no conjunto, “as cidades precisam de melhorar muito nos indicadores avaliados, pois 35 cidades apresentam uma classificação C ou pior na escala de classes A-F”.

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