Joalharia portuguesa exporta indústria, mas fica aquém na divulgação de marca

Só 20% das exportações de ourivesaria e joalharia são feitas por marcas em nome próprio, avança o presidente a AORP, João Faria. Os negócios internacionais ultrapassam os cem milhões de euros anuais.

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Uma peça da criadora Leonor Silva, que já conquistou vários prémios internacionais Nuno Ferreira Santos/Arquivo
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Na joalharia e ourivesaria portuguesas passa-se o mesmo que no calçado e na moda. Portugal exporta indústria, através do trabalho, sob anonimato, para projectos estrangeiros, mas fica aquém no que toca à exportação de marcas e design de autor, reconhece João Faria, presidente da Associação de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal (AORP). Só 20% de todas as exportações de joalharia nacional correspondem a marcas, 80% fica a cargo da indústria, revela. “Temos de fazer por reduzir esse fosso”, reconhece.

Nesta sexta-feira, a AORP, em nome dos seus 550 associados, reúne-se no Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões para debater novas estratégias para projectar internacionalmente o talento português na joalharia. O evento é aberto, com inscrição obrigatória, em especial a pensar nos mais jovensa quem a ourivesaria precisa atrair para garantir a vitalidade e combater a falta de mão-de-obra.

Em cima da mesa, numa das palestras conduzidas pela moderadora Joana Barrios, estará o principal problema da criação portuguesa, transversal a qualquer ofício. “O sector exporta mais indústria do que marca. No calçado e no têxtil é igual”, começa por lamentar João Faria ao PÚBLICO. Na direcção da AORP desde Novembro passado, tem como principal missão esse objectivo: “Fazer o caminho da marca, reter valor para que consigamos vender a um preço mais apetecível.”

O problema não está na qualidade das marcas e da joalharia de autor portuguesas, a nível dos melhores, assegura. “Temos uma grande história no fabrico de jóias, desde os tesouros dos reis. Apostamos na tecnologia, temos boa capacidade de produção e somos flexíveis. Conseguimos produzir rápido e com versatilidade”, elogia.

Apesar de a ourivesaria portuguesa ser avançada tecnologicamente, o carácter artesanal da assinatura nacional não pode ser perdido e é o que vai continuar a diferenciar em termos internacionais, acredita. “O sector de joalharia exige muito acabamento de mão.”

Ainda que a exportação de marca seja um problema, há bons exemplos no sector que João Faria enaltece. É o caso da Cinco, da Portugal Jewels, a Luísa Rosas ou da Mesh. São o que chama “marcas-âncora" que "levam as outras por arrasto e como consequência do que estão a fazer”. A AORP não revela o valor de exportações de cada um destes projectos.

Nos últimos cinco anos, as exportações registaram um aumento de 53% e atingiram o marco dos cem milhões de euros a cada ano. Em destaque, como destino da joalharia portuguesa, estão países como Estados Unidos, França, Reino Unido ou Suíça.

E como é que isso se faz? “Temos de criar [a AORP] um papel de divulgação e comunicação para chegar a quem está fora do país. Participar em fóruns e feiras internacionais.” Além desse formato tradicional de negócio, João Faria lembra as potencialidades do digital que alavancaram negócios, tanto ourivesarias tradicionais que se renderam à Internet, como projectos nativos deste meio.

A solução, exorta, também passa por novas políticas governamentais que permitam traçar “planos a longo prazo para divulgação das marcas”. Isto porque o “sector da joalharia não se vende à primeira”. Ou seja, de nada vale uma marca ter apoio para participar, por exemplo, em duas edições de uma feira, se depois esse financiamento deixar de existir. “Vender é quase uma relação de amor. É preciso ver várias vezes para confiar que a marca é fiável.”

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Um coração de Viana em filigrana Inês Fernandes/Arquivo

Luxo e filigrana

João Faria acredita que um dos caminhos viáveis para a exportação de marca está no segmento do luxo, um dos temas das mesas-redondas do evento agendadas para esta sexta-feira. “O luxo é extremamente rentável, mas extremamente fechado também”, analisa. Uma vez que Portugal não tem capacidade de produzir em grande escala, observa, será mais inteligente apostar na qualidade.

“É um campeonato difícil, onde competimos sem os mesmos meios”, nota. Além disso, “Portugal não tem uma história grande no luxo”. E assevera: “Somos mais servidores do que criadores de marcas, é esse passo que temos de dar.” Nesse segmento, o responsável destaca a filigrana portuguesa, que “precisa de uma marca”, deixando de ser vendida como uma marca branca. “Tem um potencial para vender em todo o mundo. É a bandeira da nossa joalharia.”

Mas, para que tudo isso aconteça, é urgente “mudar mentalidades”, sublinha. “Precisávamos de ser mais como os italianos, que lhe põem um nome interessante e têm capacidade para vender ao dobro do preço”, termina, com humor.

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