Discriminação: arma que mata sem sangue

Entre o medo e a esperança, o caminho faz-se de risco e coragem – ou de puro instinto de sobrevivência. Para trás deixam tudo.

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No Dia Internacional do Refugiado é imperativo continuar a afirmar Portugal como país de acolhimento. São muitos os que cá chegam, percorrendo milhares de quilómetros por terra, ou pagando fortunas para entrar em barcos que ninguém sabe se irão resistir ao cemitério em que o Mediterrâneo se transformou.

Entre o medo e a esperança, o caminho faz-se de risco e coragem ou de puro instinto de sobrevivência. Para trás deixam tudo.

Os números falam por si: no último ano chegaram a Portugal 13 vezes mais refugiados do que nos últimos sete anos. Muitos vêm da Ucrânia, fugidos da guerra; muitos outros de tantas partes do mundo assoladas por conflitos intermináveis, pela fome, pela falta de condições de vida. Em Portugal, encontram paz e acolhimento que lhes permite ter emprego, filhos nas escolas, integração na sociedade, respostas de um Estado social forte e solidário.

Em Vila Verde existe um centro de acolhimento de menores vindos de campos de refugiados: uma paleta de nacionalidades, línguas, culturas e histórias de vida que se cruzam num objetivo comum: integrar-se numa nova sociedade e recomeçar. Menores que não esquecem o horror da caminhada, que se sentem gratos à vida, por terem sobrevivido, e nos abrem os braços, de sorriso aberto, pela forma como os acolhemos. Perderam tudo — mas não o sorriso, a coragem, a força indómita de viver.

Num mundo onde cresce o individualismo, o extremismo e a discriminação arma que mata sem sangue, nas palavras de Hannah Arendt é imperioso reafirmar o respeito pelos direitos humanos. A solidariedade é o princípio fundamental de uma plena integração; e é este o compromisso de Portugal, reconhecido em várias instâncias internacionais como um dos países com melhor legislação e com melhores práticas de acolhimento e integração.

Portugal acolheu sempre, às vezes de forma discreta e envergonhada, até no sinistro período do “Orgulhosamente sós”, contrariando o próprio regime. Muitos refugiados da Segunda Guerra Mundial passaram por Lisboa a caminho dos EUA (basta lembrar Casablanca).

Alma Mahler escreveu que Lisboa foi a sua salvação; Marc Chagall evocava a tristeza sentida nos portos do Tejo ao ver tantos partirem. Hannah Arendt descreveria os seus meses na capital portuguesa e as corridas à embaixada norte-americana para conseguir os vistos para o seu marido e para a sua mãe…

A História eternizou a coragem de Aristides Sousa Mendes, ao conceder vistos a milhares de mulheres e homens, salvando-lhes a vida. Desobedeceu às ordens de Salazar, o que o fez cair em desgraça.

A casa onde viveu, em Cabanas de Viriato, será um museu para que a sua memória nunca se apague. A casa onde nasceu será transformada num Centro de Acolhimento de Refugiados, numa homenagem à humanidade de Sousa Mendes, que escolheu salvar vidas perante o horror do holocausto.

Passaram 80 anos. Portugal é hoje uma democracia consolidada, respeitada e de pleno direito na comunidade internacional. É um país solidário, que acolhe quem o escolhe para viver.

Saúdo todos aqueles que escolhem Portugal, na sua demanda por uma vida melhor. Agradeço-lhes o contributo que dão à nossa sociedade. Uma sociedade plural e aberta à diferença, apesar de alguns assomos extremistas e populistas que fogem aos mínimos civilizacionais. Agradeço, também, a todos aqueles que acolhem, diariamente, construindo uma sociedade cada vez mais coesa e inclusiva.

Portugal é hoje um país humanista, multicultural e tolerante. Somos, orgulhosamente, nós.

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