Perdas causadas por El Niño podem ultrapassar 77 biliões de euros este século

Estudo da Science mostra que as “visitas” do El Niño têm um custo económico que se prolonga no tempo. E a factura a pagar pode ser muito maior do que trabalhos anteriores sugerem.

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Seca hidrológica na Colómbia causada pela ocorrência do El Niño de 2016 Reuters/John Vizcaino
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As “visitas” do El Niño têm um custo económico que se prolonga no tempo. Os autores de um estudo científico, publicado recentemente na revista Science, calcularam qual seria a factura a pagar ao longo do século XXI pelo aumento da amplitude destes fenómenos climáticos, considerando um cenário de emissões compatível com as promessas de mitigação de gases de efeito de estufa. E concluíram que as perdas estimadas, em termos de crescimento económico, ultrapassam os 77 biliões de euros.

Durante muito tempo, o custo económico de El Niño foi calculado com base na ocorrência de cheias, incêndios florestais ou quebras na produção agrícola. Estimava-se que o fenómeno poderia estar associado, num período de até um ano, a custos na ordem das dezenas de milhares de milhões de euros. Agora, cientistas sugerem que a factura global paga por cada El Niño pode ser da ordem de biliões.

Os autores – um grupo de investigadores do Dartmouth College, nos Estados Unidos – argumentam que os cálculos tradicionais não levavam em conta défices “persistentes” no Produto Interno Bruto (PIB). Trata-se de abalos que estremecem as economias, sem as derrubar, mas que persistem ao longo de vários anos, impactando o crescimento económico.

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Estas ondas mostram a água quente a mover-se através do Oceano Pacífico de Oeste para Este entre Março e Abril - os sinais precoces do desenvolvimento do El Niño JPL-Caltech/NASA

“Estudos anteriores que relacionam o clima à economia não incorporaram mudanças na variabilidade climática, e nós mostramos aqui que essa omissão escondeu um custo potencialmente maior do aumento das temperaturas”, escrevem os autores.

No estudo da Science, a equipa demostra que o El Niño “reduz persistentemente” o crescimento económico de economias nacionais e atribui valores concretos a estas perdas globais: 3,8 biliões de euros como consequência de El Niño de 1982 e 1983 e 5,3 biliões de euros no de 1997 e 1998, respectivamente.

Os autores estudaram, por exemplo, no caso peruano. O fenómeno climático El Niño tem origem precisamente em águas do oceano Pacífico, na zona próxima à costa do Peru e do Equador. Estas e outras economias da América Latina têm-se mostrado sensíveis a estes acontecimentos climáticos, sendo que agora se adiciona a esta vulnerabilidade outras dificuldades, como as próprias alterações climáticas e os desafios de recuperação pós-pandemia.

“O El Niño 2023-2024 vai gerar um impacto económico e social muito significativo na América Latina. Estamos a falar de 40 países que, juntos, têm 665 milhões de habitantes”, explicou Rodney Martínez Güingla, representante para a região das Américas da Organização Meteorológica Mundial (OMM), durante uma conferência virtual sobre os desafios do El Niño, organizada pelo Wilson Center.

Parte destas economias estão muito frágeis após a pandemia, vulneráveis a choques externos”, acrescentou o responsável da OMM. Martínez Güingla argumentava que é necessário apostar em sistemas de alerta precoce que permitam fazer previsões e desenhar estratégias “ao nível nacional”, uma vez que nem sempre é fácil para os decisores políticos de cada país interpretarem informações científicas e, depois, elaborarem medidas concretas. Daí invocar a necessidade de “apoio financeiro multilateral” para que os países mais vulneráveis possam preparar-se e adaptar-se para os impactos do El Niño.

As conclusões do estudo científico da Science também sublinham a urgência da adaptação. “As nossas descobertas sugerem que, embora a mitigação do clima seja essencial para reduzir os danos acumulados pelo aquecimento, é imperativo dedicar mais recursos à adaptação ao El Nino nos dias actuais”, concluem os autores.

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