Um final feliz?

Parece lógico que a estratégia terá de passar, obrigatoriamente, por agregar esforços e recursos humanos numa maternidade que possa dar resposta aos casos mais simples e aos mais complexos.

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Todos os anos, os problemas são os mesmos. Ouço falar sobre grávidas e maternidades e nada me soa desconhecido ou surpreendente. Dediquei os últimos vinte anos a prestar cuidados ao binómio mãe-bebé. Estudei, investiguei, publiquei, formei outros profissionais, construí protocolos, realizei auditorias clínicas, implementei melhorias nos processos assistenciais... e muitas coisas mais. Acompanhei grávidas e puérperas saudáveis, aliviando-lhes a dor do peri-parto. Em equipa, abordei muitas grávidas e puérperas complexas, com risco de vida. Resgatei, em equipa, muitas grávidas e puérperas da morte. Sofri com elas. Sorri com elas.

Conto-vos tudo isto com muita humildade e apenas na esperança de que possam atribuir algum crédito à mensagem que quero partilhar. Estamos numa encruzilhada no que toca aos cuidados prestados às nossas grávidas e recém-nascidos. A excelência que tanto nos esforçámos por oferecer durante os últimos anos está ameaçada. São vários os motivos. As mulheres engravidam mais tarde, muitas têm doenças graves, muitas têm de recorrer a técnicas de procriação assistida, aumentando as gravidezes gemelares e o nascimento de bebés prematuros, e muitas, maioritariamente migrantes, chegam a termo sem uma vigilância adequada. Por vários motivos também, cresce a taxa de cesarianas.

E por razões várias, muitas delas obscuras, crescem as polémicas e os conflitos, com acusações de violência obstétrica, contra os profissionais das salas de partos, que se sentem cada vez mais acossados e desmotivados. Adicionalmente, existe muita falta de recursos humanos. Muita falta mesmo, de obstetras, de enfermeiros especialistas, de neonatologistas, de anestesiologistas, de outros profissionais que constituem as equipas multidisciplinares das maternidades. Por tudo isto, cresce a taxa de complicações, morbilidade e mortalidade, quer das grávidas, quer dos recém-nascidos.

Todos os anos, os problemas são os mesmos. Ora fecha uma maternidade por falta de obstetras, ora fecha outra por falta de vagas em neonatologia, ora fecha depois por falta de anestesiologistas, ora fecham camas da maternidade por falta de enfermeiros. E no fundo, tudo se resume a um cálculo matemático. Em Portugal, em 2001, numa altura em que não havia tantas maternidades como hoje, nasceram 112.774 bebés. Em 2022, nasceram apenas 83.671 bebés.

Parece lógico que a estratégia a implementar terá de passar, obrigatoriamente, por agregar esforços e recursos humanos, numa maternidade que possa dar resposta a todos os casos, dos mais simples aos mais complexos. Por conhecer bem o “terreno”, acredito que a nossa maternidade do Hospital de Santa Maria, onde todos os dias acontecem milagres, pode ser a melhor resposta para as grávidas e bébés que nascem na região do sul de Portugal. Mas para isso acontecer, temos de a fazer crescer e modernizar. Temos de aproveitar este momento único, em que a Direção Executiva do SNS, as lideranças locais, as equipas multidisciplinares e a disponibilidade financeira estão alinhadas na procura de uma solução definitiva para as maternidades do Sul.

Bem sei que, por esta altura, haverá vozes a afirmar que existem outras alternativas. Certamente que sim. Mas, com tão bons resultados? Porque, de acordo com a OMS (2008), um serviço de saúde com qualidade é aquele que organiza os seus recursos da forma mais efetiva em resposta às necessidades sentidas, com segurança, sem desperdício e de acordo com padrões de elevado nível e respeito pelos direitos humanos.

Assim, talvez no próximo ano, os problemas não sejam os mesmos. Talvez, se nos apoiarem este ano, durante o percurso das obras de melhoria e aumento da capacidade de resposta futura na área materno-infantil do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, na maternidade que nunca fechou, as notícias possam sair todas com um final feliz!

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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