Peritos defendem que herdeiros só tenham dois anos para se entender ou perdem os terrenos

Grupo de Trabalho para a Propriedade Rústica quer promover a dimensão para facilitar gestão do território. Relatório defende aceleração do processo de heranças para evitar terrenos no limbo.

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Grupo propõe que, se uma pessoa quiser prescindir do seu direito de propriedade de um terreno rústico, pode fazê-lo Paulo Pimenta
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Apesar de há muito a lei portuguesa dizer que não se pode dividir a propriedade rural, esse processo de fragmentação foi avançando. A situação cria uma vasta lista de problemas que passa pelas perdas económicas e termina naquele que é mais visível a olho nu: os incêndios florestais que assolam o país todos os anos. Agora, há uma proposta para travar essa fragmentação e promover o emparcelamento. Outra das medidas defendidas para tornar o território mais resiliente em relação aos fogos pretende contrariar a falta de gestão devido às incertezas sobre a posse das propriedades. Pelo que se propõe que os herdeiros passem a ter só dois anos para se entender sob pena de perder a gestão dos terrenos.

O Governo lançou o Grupo de Trabalho para a Propriedade Rústica (GTPR), coordenado pelo ex-secretário do Desenvolvimento Rural e das Florestas, Rui Gonçalves, que já tinha produzido um relatório de diagnóstico. Num segundo documento, agora publicado no site do Governo, propõem o apertar da malha legislativa que permite que, na prática, os terrenos continuem a ser divididos.

“Um dos objectivos das propostas”, explica Rui Gonçalves ao PÚBLICO, “é blindar as disposições legais contra a divisão da propriedade”, nomeadamente através da limitação da figura do usucapião, utilizada com recorrência para “dar a volta à lei”.

No mesmo sentido, o GTPR defende que se deve “incentivar o emparcelamento” de terrenos vizinhos que possam não ter o mesmo dono. O princípio é o mesmo: havendo proprietário e dimensão, a gestão fica mais fácil. Propõe que se reforce o programa “Emparcelar para Ordenar” e alargar o seu âmbito territorial, “admitindo soluções que facilitem a contiguidade dos terrenos e a possibilidade da sua aquisição pelos interessados, nomeadamente pela utilização de permutas”, lê-se no relatório.

Outra medida considerada “essencial” é acelerar o processo de heranças jacentes (que ainda não foram aceites nem declaradas a favor do Estado) ou vagas, para que os terrenos não fiquem indefinidamente num limbo. O grupo defende a redução do prazo de dez anos para dois para que os herdeiros cheguem a um entendimento. E mesmo o prazo actual de dez anos não está a ser cumprido. O relatório menciona uma “situação extrema”, de um homem que morreu em 1968 e só em 2018 a herança foi declarada vaga a favor do Estado.

“A nossa ideia é oferecer estímulos à resolução voluntária das partilhas”, refere Rui Gonçalves. Caso isso não aconteça, no limite, o processo pode ser atribuído a um gestor profissional, cujo rendimento virá do património em causa. “As questões do direito sucessório são fundamentais para alterar o status quo”, considera.

Renúncia à propriedade

Há um ponto que não está previsto no actual quadro legal português e que o GTPR quer mudar: o direito de renúncia à propriedade. “No debate interno que tivemos, chegámos à conclusão de que não fazia sentido manter essa posição”, refere Rui Gonçalves. Ou seja, os peritos propõem que, se uma pessoa quiser prescindir do seu direito de propriedade de um terreno rústico, pode fazê-lo.

E isso poderá acontecer a favor do Estado, de fundações ou de entidades de interesse público que se dediquem à conservação da natureza, exemplifica Rui Gonçalves. Esta medida terá “um impacto marginal”, nota, mas o grupo achou que devia abrir essa porta.

No relatório, é referido que, entre outras balizas, o procedimento deve precaver-se, para que não se veja a braços com terrenos “contaminados ou com outros problemas ambientais".

Há também mudanças na fiscalidade: a ideia é não penalizar quem opte por apostar na “renaturalização” dos seus terrenos, distinguindo-a de situações de abandono. No relatório, sublinha-se que as propostas nele indicadas “não irão solucionar directamente o flagelo dos incêndios rurais”, mas é “inequívoco” que “são essenciais para alicerçar as bases de um território que poderá ser melhor gerido e planeado”.

Para elaborar as propostas que foram publicadas neste relatório, o grupo de trabalho dirigido por Rui Gonçalves passou por uma fase de diagnóstico que fez um retrato dos terrenos rurais do país: demasiado fragmentado (principalmente a Norte do rio Tejo) e com muito imobilismo na propriedade. Mais de metade dos terrenos, concluía-se, só mudam de mãos por herança, o que é “um convite ao imobilismo e à não gestão das propriedades”, considerava o coordenador do grupo de trabalho.

O relatório do grupo de trabalho – que, nesta segunda fase, se reuniu 14 vezes, entre Agosto de 2022 e Fevereiro de 2023 já seguiu para o Governo, por via do secretário de Estado da Conservação da Natureza, das Florestas e do Ordenamento do Território, João Paulo Catarino. O próximo passo é um terceiro relatório, que passa pela elaboração de anteprojectos de lei que concretizem as soluções propostas e por analisar qual será o seu impacto.

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